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Artigos e opiniões

Direito à intimidade do lar

Artigo comenta recente caso de uma mulher em SP que foi fotografada nua por moradores de prédio vizinho

03/09/20 11:22 - Atualizado há 1 ano
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Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior*

A dignidade sexual na intimidade do lar pode ser considerada um campo discreto frequentado unicamente pelo interessado. É o espaço em que vai encontrar consigo mesmo, sem qualquer acesso à curiosidade privada.

A imprensa noticiou, no que foi secundada pelos comentários das redes sociais, que uma mulher, no interior de seu apartamento na cidade de São Paulo, teve suas imagens registradas por moradores de um prédio vizinho, algumas vezes com trajes íntimos, outras nua, quando tomava banho de sol.

As imagens passaram a circular em grupos de WhatsApp. A mulher comunicou o fato à autoridade policial solicitando a instauração do competente inquérito policial e, na mesma oportunidade, confeccionou um cartaz vertical que ficou exposto na janela contendo os tipos penais infringidos pelo infrator bisbilhoteiro1.

O fato relatado lembra a figura do voyeurismo que consiste em observar de forma sorrateira e registrar pessoa nua no interior de sua casa, sem sua autorização, com ou sem conotação sexual. O filme policial Janela Indiscreta de Alfred Hitchock mostra perfeitamente o procedimento do voyeur.

A lei 13.772/18, com a finalidade de atualizar a listagem de condutas praticadas com a mais aperfeiçoada tecnologia visual, compreendendo filmadora, máquina fotográfica, binóculos, drone e outros, inseriu o artigo 216-B no Código Penal, com a seguinte redação:

Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

A novatio legis incriminadora acrescentou também que na mesma pena incorre quem faz montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro contendo cena de nudez, de ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.

Se se tratar, no entanto, de crime praticado contra criança ou adolescente, aplica-se o artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê uma pena de reclusão de 4 a 8 anos e multa.

A Constituição de 1988, dentre vários direitos alargados e tutelados, abrigou em seu texto a proteção à intimidade do cidadão, assim descrita no inciso X do artigo 5º: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

A intimidade do lar, expressão mais adequada do que residência ou domicílio, vai muito além. É o lugar mais recôndito da convivência familiar ou individual, indevassável por pessoas que não obtiveram acesso para dele participar. É, enfim, sinônimo de intimidade, privacidade. É o território onde se abrigam pessoas que se consideram aparentadas, unidas por laços naturais, legais ou por afinidade, mas que têm em comum o respeito mútuo e a convivência harmônica. Não é a delimitação física, com estreitas divisórias, orientadas por números e nomes. É, sim, um espaço de convivência, amplo o suficiente para suportar o desenvolvimento natural e espiritual de seus moradores. É o templo sagrado (my home is my temple) onde serão edificados os sentimentos, a dignidade e o caráter de seus moradores que, posteriormente, poderão repassá-los à comunidade maior, que é a sociedade em que se vive.

Por fim, a intimidade, nesta abordagem, configura como o núcleo da esfera de proteção. Pode ser conceituada como o direito de estar só - the right to be alone, proteção consagrada nos EUA para assegurar a peace of mind. Nela, verifica-se um conjunto de informações que apenas seu titular traz consigo.

A dignidade sexual na intimidade do lar pode ser considerada um campo discreto frequentado unicamente pelo interessado. É o espaço em que vai encontrar consigo mesmo, sem qualquer acesso à curiosidade privada. Neste reino pode desfilar tudo que é mais precioso para a pessoa, desde a sua crença religiosa até os segredos mais recônditos, sem qualquer risco de invasões arbitrárias e, principalmente, de se chegar ao conhecimento público porque não há qualquer registro materializado com sua anuência.

Pode-se dizer até que, na era da mais célere informática, da tecnologia mais apurada, nenhum dispositivo, ferramenta ou aplicativo será capaz de captar o que circula neste espaço reservado, de uso exclusivo de seu titular.

A expressão peace of mind, que compõe o direito de estar só do direito americano, retrata fidedignamente a figura do homem que se afasta temporariamente do convívio com os demais e se recolhe ao seu castelo (my castle is my temple), local onde irá encontrar sua paz e o equilíbrio para desfrutar tudo que lhe for conveniente. Ali se sentirá o rei, o bedel, o juiz e pela sua lei será feliz, segundo entoa a canção popular.

Costa Jr., com a precisão que lhe é peculiar, definiu a intimidade como sendo “a necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente comprometidos pelo ritmo da vida moderna, de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade, fechada na sua intimidade, resguardada da curiosidade dos olhares e dos ouvidos ávidos”.2

Este enunciado, por si só, deixa a entender que, no espaço reservado com exclusividade para o indivíduo numa constante atividade solitária, ninguém poderá ter acesso, seja pessoalmente ou por máquinas, pois encerra um mundo puramente individualista, sem qualquer relação exterior.

1Clique aqui

2Costa Jr., Paulo José. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1970, p. 8.

(*) Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado. (Via https://www.migalhas.com.br)

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