Alexandre Marques

Assembleias de condomínios, associações e a COVID-19

Conheça as possibilidades para realização das reuniões de condomínio

Por Thais Matuzaki

20/03/20 08:15 - Atualizado há 4 anos


Por Alexandre Marques*

Síndicos, presidentes e equipes diretivas de Condomínios e Loteamentos possuem a discricionariedade do cargo para cancelar ou postergar a realização de assembleias em nome da segurança coletiva da comunidade relativamente a pandemia do novo coronavírus

Muitos destes partícipes da gestão condominial e associativa têm nos questionado quanto aos riscos jurídicos que estão sujeitos por cancelar ou postergar as reuniões assembleares, já convocadas ou em época de convocação, em razão de previsão expressa nas respectivas Convenções e Estatutos, nossa orientação, fulcrada na lei, mas, também no bom senso e prática operacional está sendo no seguinte sentido: 

Assembleias já convocadas devem ser postergadas através de comunicado (circular), em tempo hábil, pelo menos 48 (quarenta e oito) horas. As que ainda não foram convocadas, mas estão à época de convocação devem ser adiadas por pelo menos trinta dias. A instrução aos moradores deve ser clara, explicando a motivação que é a mitigação do risco da pandemia. 

O síndico e equipe diretiva, bem como o presidente de associação, devem estar preparados para lidar com a oposição que irá, dependendo do caso, manifestar-se de forma ruidosa, aliás, como quase sempre acontece. Ameaçarão o ingresso de ações judiciais contra o Condomínio e/ou associação, bem como pessoalmente contra seu representante legal.

Lembramos sempre nesses espaços que escrevemos que, o direito de ação é um direito Constitucional (Artigo 5º, incisos XXXIV, “a” e XXXV da CF/88), logo, não há como ser obstado, porém, uma coisa é o direito protestativo, onde o cidadão escolhe propor a ação, o outro é se irá sua propositura garantir-lhe o provimento estatal favorável que tanto almeja. 

Entendemos, muito modestamente, que dificilmente uma demanda desta, neste período, irá ser bem sucedida. O próprio Judiciário Paulista, por exemplo, suspendeu os prazos processuais e audiências, limitando o acesso aos fóruns e repartições do Judiciário, tudo em um esforço de obstar a propagação do vírus.

Assim, se o próprio Poder Judiciário reconhece que o aglomerado de pessoas em um local fechado (como geralmente o é os locais de assembleias), o que dirá relativizar isso as singelas assembleias de condomínios e associações. 

Portanto tenho orientado a suspender, cancelar, postegar as assembleias, ainda que Ordinárias e deixar que o morador que se sinta prejudicado tome a medida que julgar necessário e o condomínio ou associação irão se defender oportunamente. 

Outro viés da mesma questão é a possibilidade de duas modalidades de assembleias nesse período. A primeira virtual, ou seja, condôminos e moradores em geral participam e votam em uma assembleia remotamente. A segunda uma assembleia com base em votação prévia, por escrito em formulário próprio e contabilização dos votos em uma assembleia presencial, esta, ocorrendo como uma reunião tradicional (presencial), porém, muito mais breve e informal.

A assembleia virtual, como cediço não possui previsibilidade expressa em nosso ordenamento condominial (Arts. 1331 a 1358 do Código Civil e Lei Federal nº 4.591/64), bem como de loteamento (Lei Federal 6766/79), porém, esse panorama deve mudar em pouquíssimo tempo já que existe mais de um projeto de lei em tramitação nesse sentido, o mais avançado deles o da Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), que irá incluir o Artigo 1.353-A no Código Civil que trará a possibilidade da assembleia virtual e da virtual e presencial simultaneamente.

Até que isso acontece, apelam os condomínios que trazem tal previsibilidade em suas convenções e vêm praticando reuniões nessa modalidade, para o direito da massa condominial se autorregular, fazendo-o, inclusive com base nos artigos 112 e 113 do Código Civil.

Insta destacar que a assembleia virtual é uma realidade e que será realmente questão de tempo até que seja incorporada à vida condominial e pacificada pela jurisprudência, nem poderia ser diferente.

A argumentação de alguns de que pode ser fraudada, manipulada e “hackeada” não se sustenta, como elemento único para sua invalidação, ainda mais nos dias de hoje, com as chamadas chaves criptografadas que são aceitas por diversos órgãos públicos, inclusive pelas mais altas cortes judiciais do País (STJ e STF). 

Por fim, a assembleia por votação prévia em formulário próprio. O condomínio ou associação distribui um formulário com uma parte destacável com os assuntos da convocação do dia para serem votados na base do “sim” ou “não”.

Não existe em uma situação como esta o “talvez” ou “depende”. O morador assinalaria no documento a unidade condominial ou lote, nome, número do RG ou CPF, e procederia a votação (sugere-se deixar um campo de umas quatro linhas para observações).

A partir daí, o morador devolveria a parte destacável do formulário à administração interna, portaria, poderia enviar via e-mail ou mesmo foto em aplicativos de comunicação instantânea como Whatsapp ou Telegram.

Então, em dia e horário especificado na convocação prévia, a direção se reúne na administração interna ou mesmo ao ar livre em área específica e apenas contabiliza os votos, encerrando a assembleia, o que, convenhamos dá para ser feito em meia hora ou menos. 

O morador que quisesse participar da “apuração” in loco, pode fazê-lo, porém, a ideia é que não haja discussões ou redeliberações sobre dados temas, apenas a contabilização dos votos e posterior redução a termo em ata própria.

A ata, como sempre, seria registrada em cartório e distribuída à massa condominial e associativa, podendo, por óbvio, ser impugnada caso haja alguma distorção de sua finalidade. 

Com isso, ter-se-ia uma assembleia presencial, porém, com votos colhidos de forma antecipada. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo já enfrentou o tema da assembleia em sessão permanente:

Ação de cobrança. Condomínio. Realização de obras úteis em condomínio com grande número de condôminos (312). Impossibilidade, na atual realidade social, de se obter quórum de maioria absoluta, pelo grande número de ausências que cotidianamente se verifica em virtualmente dos os condomínios, mostrando-se válido e razoável obter a aprovação por meio de assinaturas colhidas em data posterior à Assembleia, o que de todo modo foi conduta de boa-fé que preservou a vontade dos condomínios, aspectos principais a serem observados na interpretação da norma civil (CCivil, artigos 112 e 113). Atendimento preservado ao artigo 1.341, II, do Código Civil, sem prejuízo à substância e ao conteúdo do ato. Manutenção da sentença. Apelo improvido. (TJSP; Apelação 1011737-95.2015.8.26.0506; Relator (a): Soares Levada; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/01/2013; Data de Registro: 08/12/2017).

Como se vê a jurisprudência evolui constantemente para atender os anseios da sociedade. 

Da mesma forma, caso o condomínio ou associação opte por simplesmente postergar a realização da assembleia, a jurisprudência de nosso tribunal Bandeirante, garante ao síndico ou presidente que os atos praticados na dilação de sua gestão sejam válidos até que nova eleição se realize, nesse sentido, ementas de julgados em casos análogos:

2002590-52.2019.8.26.0000   Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Contratos Bancários

Relator(a): Walter Fonseca

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 11ª Câmara de Direito Privado

Data do julgamento: 03/04/2019

Data de publicação: 03/04/2019

Ementa: OBRIGAÇÃO DE FAZER – DESBLOQUEIO DE CONTA CORRENTE – CABIMENTO NO CASO – O banco agravado bloqueou a conta corrente do condomínio coagravante, ante o vencimento do mandato da última síndica eleita, sem que tenham ocorrido novas eleições, pois nessa hipótese seu mandato é prorrogado tacitamente até ulterior eleição, consoante permissivo contido no art. 1.347 do Código Civil, pois não se admite um condomínio sem regular representante – Tutela de urgência deferida. Recurso provido

E mais:            

0142605-82.2008.8.26.0100   Classe/Assunto: Apelação Cível / Despesas Condominiais

Relator(a): Luis Fernando Nishi

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 32ª Câmara de Direito Privado

Data do julgamento: 07/08/2014

Data de publicação: 07/08/2014

Ementa: AÇÃO DE COBRANÇA Condomínio Despesas condominiais Representação processual do condomínio Prazo do mandato do síndico escoado Inexistência de nova eleição Prorrogação do seu mandato Sentença mantida. RECURSO não provido.

Assim, ainda que ambas as modalidades não estejam previstas expressamente nas respectivas convenções e estatutos, somos da opinião que podem ser adotadas pelos condomínios e associações dada a excepcionalidade da situação atual

Enfim, há períodos durante a gestão de síndicos e presidentes de associações que têm-se que tomar importantes e urgentes decisões e, arcar com a responsabilidade de tais escolhas, se estivermos devidamente amparados por uma boa assessoria jurídica, administrativa e corpo diretivo, tanto melhor. 

(*) Alexandre Marques é consultor, advogado militante e professor na área de direito condominial; Mestrando pela FADISP, Coordenador do curso de Pós-graduação em Direito Condominial da FAAP/SP, especialista em Processo Civil pela PUC-SP, com cursos de extensão em Direito Imobiliário e Direito Civil; membro da Comissão de Direito Condominial do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário), palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB-SP; coautor do Audiolivro: “Tudo o que você precisa ouvir sobre Locação” (Editora Saraiva) e Autor do livro “Legislação Condominial: aplicação prática”; articulista dos programas “Metrópole Imobiliário” da Rádio Metrópole FM; “Edifício Legal” da rádio CBN-RO , “A hora do povo” da rádio Capital-SP e “Dito e Feito” da Rádio Nacional; sócio-diretor da Alexandre Marques Sociedade de Advogados.