02/10/25 06:00 - Atualizado há 2 h
Um dos maiores desafios do síndico é garantir segurança e transparência em todas as situações que envolvem a vida condominial, especialmente nas assembleias, onde decisões importantes são tomadas.
Em um ambiente que reúne moradores com opiniões diferentes e interesses que podem gerar conflitos, surgem muitos questionamentos e impasses. Para trazer mais credibilidade a esses registros, um recurso tem ganhado cada vez mais espaço: a ata notarial.
A ata notarial é um documento oficial feito por um tabelião de notas para registrar, de forma neutra e fiel, situações que ele presenciou. Por ter a chamada fé pública, o que está escrito nesse documento é considerado verdadeiro até que se prove o contrário.
Isso torna esse recurso uma prova forte e confiável em processos judiciais, extrajudiciais ou administrativos, garantindo mais segurança e autenticidade em situações que precisam ser comprovadas formalmente.
Pense nesta situação: aquele vizinho insiste em parar o carro na vaga de outra pessoa, mesmo depois de várias conversas e avisos do síndico. Para evitar mais discussões e ter uma prova concreta, o síndico pode chamar um tabelião para registrar em ata notarial que o carro realmente estava na vaga errada em dias e horários diferentes.
Assim, o condomínio ganha um documento oficial que pode embasar uma multa ou até uma ação, se for necessário, e tudo sem depender de prints de WhatsApp ou testemunhas.
Embora seja bastante utilizado em diferentes áreas do direito, a ata notarial vem ganhando destaque no dia a dia da vida em sociedade, podendo registrar desde conteúdos publicados em redes sociais até situações do cotidiano, essa versatilidade faz com que seja cada vez mais reconhecido como um recurso preventivo.
É nesse contexto que os condomínios se tornam um dos cenários em que esse recurso tem potencial de aplicação. Diante da necessidade de decisões coletivas, contar com um documento oficial e imparcial pode ser fundamental para reduzir conflitos e dar mais segurança às deliberações.
Segundo o advogado Thiago Badaró, que já atuou em diversos casos envolvendo esse tipo de registro no contexto condominial, o ato oficial do tabelião não elimina totalmente a judicialização, mas contribui para reduzir as discussões sobre os fatos documentados.
“Em muitos casos, evita até mesmo que a ação seja proposta, já que a parte contrária desiste de contestar na justiça um fato registrado com fé pública”, afirma.
O advogado também aponta que, com o aumento das assembleias virtuais, este tipo de ata se torna ainda mais útil, já que assegura a transparência e evita boatos sobre manipulação tecnológica ou exclusão de condôminos.
Segundo ele, o art. 384, parágrafo único, do Código de Processo Civil, deixa claro que som, imagem e gravação podem ser incorporados ao registro desse documento. “Em assembleias virtuais, o tabelião pode registrar a forma de convocação, acessos, quórum e até salvar prints e gravações”.
O documento começa com a identificação do tabelião, do cartório e da pessoa que solicitou a ata. Em seguida, descreve detalhadamente o que foi presenciado, de forma neutra e objetiva, sem opiniões ou interpretações.
É como se fosse uma fotografia escrita do fato, registrando exatamente o que aconteceu no momento em que o tabelião observou.
Ao final, a ata recebe a assinatura do tabelião e o selo do cartório, confirmando sua autenticidade e garantindo que ela tenha valor oficial. Dependendo do caso, é possível anexar materiais que complementam o registro, como listas de presença, cópias de documentos, imagens de tela de assembleias virtuais ou até fotografias do local.
Gerir um condomínio envolve responsabilidades civis e jurídicas significativas. O síndico precisa tomar decisões que reflitam a vontade da coletividade e, ao mesmo tempo, se proteger de possíveis questionamentos ou disputas futuras.
Nesse contexto, o registro imparcial é um meio que pode fazer a diferença na gestão, registrando fatos de forma oficial e imparcial, oferecendo segurança e respaldo legal para o gestor e para o condomínio como um todo.
Além de registrar assembleias, a ata notarial pode ser usada em várias outras situações do dia a dia do condomínio.
O advogado Thiago Badaró comenta que ela permite, por exemplo, atestar problemas estruturais, como rachaduras ou infiltrações, registrar ofensas em grupos de WhatsApp do condomínio e comprovar notificações ou comunicados que poderiam ser contestados.
Outro exemplo prático citado por Kalebe Costenaro, especialista em direito condominial, mostra como esse registro pode ser decisivo para resolver impasses. Em uma assembleia de prestação de contas e previsão orçamentária, o presidente se recusou a assinar a ata da reunião.
“Levamos ao cartório o áudio da reunião, sua transcrição e a ata previamente elaborada. Com isso, foi lavrada a ata de fé pública, garantindo um registro rápido, legítimo e imparcial, o que trouxe pacificação ao momento e evitou que o conflito se prolongasse no condomínio”, relata o advogado.
Este suporte também pode ser utilizado em processos de usucapião. Nesses casos, o tabelião documenta a posse do imóvel ou da unidade condominial, atestando que ela é contínua, mansa e pacífica, de acordo com as informações e documentos apresentados.
Por exemplo, se um morador utiliza a mesma vaga de garagem há mais de 15 anos, de forma ininterrupta e sem oposição, a ata oficial do tabelião pode comprovar esse fato e servir como prova no pedido de usucapião extrajudicial, agilizando o processo e evitando disputas desnecessárias na Justiça.
Em vez de depender apenas da ata convencional, que geralmente é redigida por um secretário designado (geralmente da administradora) ou pelo síndico, o condomínio pode recorrer ao tabelião para registrar oficialmente o que ocorreu durante uma reunião. Isso significa que discussões acaloradas, votações polêmicas ou até mesmo situações inusitadas podem ser descritas de forma neutra e oficial, reduzindo as chances de contestação futura.
Assim, a ata notarial funciona como uma espécie de “seguro jurídico” para os moradores, reforçando que as decisões tomadas refletem a realidade de maneira fiel.
O diretor comercial da empresa Síndico Advanced, Otávio Lourenço, indica que a ata notarial é um instrumento a ser utilizado em condomínios com problemas políticos grandes, que não é uma solução fixa e recomendável para qualquer empreendimento.
“A gente coloca na balança o histórico do comportamento das pessoas e não exatamente o assunto, porque, às vezes, um assunto é extremamente delicado, sensível e vai ser tratado em um condomínio com muita tranquilidade. Agora, se o condomínio tem histórico de conflitos ou questionamentos, aí sim é recomendável contratar”.
Para solicitar uma ata notarial, é fundamental que o síndico esteja bem preparado e leve todos os documentos que comprovem a legitimidade da assembleia. Stefan Jacob, síndico profissional e Head de Atendimento da Síndico Advanced, explica que o tabelião precisa, basicamente, de tudo que demonstre que a reunião seguiu as regras do condomínio.
O primeiro passo é apresentar a convenção e o regimento interno, documentos que definem como devem ser convocadas as assembleias, quais quóruns são necessários para cada tipo de deliberação e outras regras que estruturam a vida condominial.
Em seguida, é essencial comprovar que a assembleia foi convocada corretamente. Isso inclui levar os comunicados enviados aos condôminos junto com seus comprovantes de envio, além da lista de presença assinada por todos os participantes e eventuais procurações de moradores representados.
Outro ponto crucial é a ordem do dia. Stefan reforça:
“A ordem do dia é o que manda. Se a assembleia discutir algo novo, ok, mas o tabelião não vai incluir uma decisão sobre isso no registro notarial, porque os condôminos não foram avisados previamente de que esse assunto seria votado”.
Isso garante que o registro seja fiel aos temas previamente comunicados e evita que decisões inesperadas sejam incluídas de forma irregular.
Ele alerta que os erros podem parecer fáceis de contornar, mas que já viu problemas comuns comprometerem a validade da ata.
“Essa ata registra o que aconteceu, mas não legaliza uma assembleia que já nasceu com vícios. Ela funciona como prova oficial, desde que todos os procedimentos tenham sido cumpridos corretamente”, explica.
Seguindo essas orientações, o síndico garante não apenas a legalidade e transparência da assembleia, mas também proteção jurídica para si mesmo e para o condomínio, evitando questionamentos futuros e fortalecendo a confiança entre os moradores.
O documento público lavrado em cartório oferece segurança e transparência em diversas situações condominiais, mas seu uso deve ser avaliado com cuidado. Kalebe Costenaro, advogado especialista em direito condominial, enxerga uma tendência crescente na adoção dessa prática no Brasil.
“O uso da ata notarial tende a crescer à medida que haja maior divulgação e conscientização sobre a ferramenta, já que muitos desconhecem sua existência”.
Segundo ele, embora o registro mais comum seja em assembleias, o documento notarial também pode ser aplicado em outros contextos, oferecendo respaldo legal e ajudando a proteger decisões importantes do condomínio.
O advogado Thiago Badaró explica que a ata notarial é um dispositivo muito versátil, mas não é o único caminho disponível. Segundo ele, em alguns casos, um laudo técnico pode até ser mais adequado.
O laudo técnico está um nível acima do registro notarial, com validade ainda mais potente em processos judiciais, pois atesta não apenas que algo ocorreu, mas também apresenta uma análise profissional sobre o fato.
Ao refletir sobre a contratação de qualquer serviço, o síndico coloca na balança os prós e contras. No caso do registro da ata notarial, o custo é um dos principais fatores que ainda limitam o uso nos condomínios.
“É muito caro utilizar ata notarial, considerando a realidade financeira de grande parte dos condomínios no Brasil”, ressalta o advogado Thiago Badaró.
O preço é tabelado por lei em todos os cartórios de cada estado. Em São Paulo, por exemplo, a tabela de custas e emolumentos em vigor a partir de 08 de janeiro de 2025 determina que o valor da ata notarial pela primeira folha (frente e verso) é R$ 615,49, e cada página adicional sai por R$ 310,81 (Fonte: 15º Tabelião de Notas de São Paulo).
Rose Brandão, síndica profissional e colunista SíndicoNet, conta que já chegou a desembolsar quase R$ 6.500, em 2023, em uma única ata notarial. Isso porque tudo o que ocorre na reunião é descrito em detalhes, e a cobrança é feita por página, sendo que apenas um item de pauta pode gerar até 30 páginas.
“O custo ainda é um tabu e, por isso, a ata notarial costuma ser utilizada apenas em última instância, já que muitos condomínios não têm caixa para arcar com a despesa. Infelizmente! Depois, os moradores questionam por que o grupo não fez a ata correta, mas sabemos que eles a redigem conforme a própria visão, de forma tendenciosa”, afirma.
Por isso, a recomendação é estudar a necessidade com base na realidade do empreendimento, ponderando quando a ata é realmente indispensável e quando outros registros ou documentos podem cumprir a mesma função de forma mais econômica.
Fontes consultadas: Kalebe Costenaro (advogado); Otavio Lourenço (Síndico Advanced); Rose Brandão (síndica profissional), Stefan Jacob (síndico profissional); Thiago Badaró (advogado).