25/07/25 03:38 - Atualizado há 2 dias
Aberta para contribuições até 1º de agosto, a consulta pública da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) sobre tratamento de dados biométricos ampliou o debate sobre a segurança de sistemas como o de portarias virtuais.
Segundo dados da Abese (Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança), apenas em 2024 o setor cresceu 16,1%. Com isso, a biometria em condomínios se popularizou como uma solução moderna e barata para o controle de acesso de moradores e visitantes.
Por outro lado, enquanto essa tecnologia avança, a recusa de condôminos em compartilhar dados sensíveis - tais como imagem facial e impressão digital - com empresas que fornecem o serviço também cresce, motivada pelo receio de vazamentos como o denunciado em Jundiaí (SP).
Nesta matéria, vamos explorar os riscos, as responsabilidades legais e os cuidados essenciais que síndicos e moradores precisam adotar, além de mostrar como a sua voz pode fazer a diferença para o futuro da biometria em condomínios.
Reconhecendo os desafios do tratamento de dados biométricos, a ANPD abriu em 2 de junho uma consulta pública organizada em cinco blocos temáticos, incluindo segurança, governança e direitos dos titulares — todos diretamente relacionados à realidade dos condomínios.
O objetivo principal é "coletar informações, evidências e perspectivas de diversos setores da sociedade, visando a elaboração de materiais orientativos ou regulamentos que promovam a proteção de dados pessoais e a inovação responsável."
Até 1º de agosto, síndicos, administradoras, empresas do setor e moradores podem enviar suas contribuições e preocupações, ajudando a autoridade a compreender questões específicas do mercado condominial.
"Mesmo que o controle de acesso não seja o foco exclusivo, os condomínios são grandes usuários de biometria e devem se posicionar. A participação ativa é uma forma de garantir que a regulamentação futura respeite as especificidades do setor, proteja os direitos dos moradores e ofereça segurança jurídica ao síndico", defende Marilen Amorim, advogada especialista em direito condominial e colunista do SíndicoNet.
Na opinião de Bruna Maia, executiva de contas da DPOnet - plataforma que promove a conformidade à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) -, "a consulta é um passo necessário para regulamentação específica e reforça a urgência de fiscalização sobre tecnologias sensíveis já amplamente utilizadas."
Até a publicação desta matéria, apenas 28 contribuições tinham sido enviadas.
Qualquer cidadão ou empresa pode participar da consulta pública por meio da plataforma Participa Mais Brasil. Eventuais relatórios, imagens ou outros anexos complementares podem ser enviados para o e-mail normatizacao@anpd.gov.br, dentro do mesmo prazo.
Basta se cadastrar, efetuar login e responder às 18 perguntas do questionário.
Em condomínios, os principais dados biométricos utilizados para controle de acesso são o rosto e as digitais. Para Debora Ravani, síndica profissional, a adoção de sistemas que fazem uso desse tipo de reconhecimento colabora com a agilidade e a redução de falhas humanas.
Além disso, a biometria em condomínios diminui "significativamente o risco de acessos indevidos, extravios de chaves, cartões ou chaveiros, equívoco no reconhecimento do morador e liberação indevida de invasor [pelo porteiro], além de oferecer rastreabilidade dos acessos realizados", detalha.
De forma geral, o cadastro e a exclusão de moradores são feitos diretamente no sistema pela gestão e pela empresa contratada, mediante a apresentação de documentação comprobatória: matrícula de imóvel, contrato de locação ou carta de apresentação. Acessos limitados também podem ser concedidos aos condôminos.
No caso do síndico profissional Alexandre Prandini, o software utilizado exige apenas nome e telefone, o resto fica a cargo do próprio condômino.
"Ele manda um push [notificação via aplicativo] para que a pessoa faça o cadastro complementar, dessa forma eu manipulo menos ainda os dados e não tenho risco nenhum de falarem que o gerente predial ou a pessoa da administração faz uma captura ali no local", conta.
Visitantes e prestadores de serviço, por sua vez, utilizam QR Code ou cadastro prévio autorizado pelo morador, com horário e área de acesso definidos. Vale ressaltar que isso não elimina a triagem na portaria.
Caso o morador não tenha fornecido o QR CODE, o porteiro realiza o protocolo tradicional, com a coleta e registro de dados no sistema.
Segundo Bruna, dados biométricos são classificado como sensíveis pelo artigo 5º da LGPD, pois envolvem características únicas, imutáveis e de identificação inequívoca do titular. "Uma vez expostos, não podem ser alterados ou revogados como senhas", explica.
Muitos programas do Governo Federal, por exemplo, utilizam a biometria para conceder acesso a benefícios. Dessa forma, é preciso ter cuidado redobrado para assegurar que essas informações estejam protegidas.
"A LGPD define o condomínio como controlador dos dados pessoais que coleta e trata — ou seja, é o responsável por decidir como e por que os dados são utilizados. O síndico, como representante legal do condomínio, assume a responsabilidade pela conformidade com a lei", resume Marilen.
Na prática, isso significa que o gestor de condomínios deve:
A jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade direta do síndico quando há falhas na proteção dos dados sob sua gestão. Em caso de vazamentos, ele pode ser responsabilizado civilmente, por danos morais e materiais causados aos titulares, e criminalmente, se for comprovada negligência grave ou omissão na adoção de medidas preventivas.
"O cenário ideal seria a contratação de auditoria técnica independente para acompanhamento dos serviços prestados, mas sabemos que os condomínios ainda não estão investindo como deveriam nesse sentido, e não por omissão da gestão, mas sim porque os condôminos ainda não aprovam essa contratação, visando redução de custos", relata Debora.
Com o debate público aquecido nas redes sociais e coberturas midiáticas controversas sobre a biometria em condomínios, as dúvidas se multiplicam, deixando moradores e síndicos inseguros. A seguir respondemos algumas das principais:
Conforme os síndicos entrevistados, a preocupação com a segurança de dados tem crescido desde a entrada em vigor da LGPD, fazendo com que moradores se recusem a fazer o cadastramento de reconhecimento facial e impressões digitais.
"A mídia acabou confundindo muitos moradores e a gente tem agora uma queda de braço com pessoas que querem colocar esse tipo de discussão em pauta", conta Prandini.
Embora o uso da biometria em condomínios possa ser justificado por razões de segurança, o morador não pode ser obrigado a fornecer esse tipo de dado para acessar sua própria residência.
Dessa forma, o condomínio deve oferecer alternativas de acesso, como tags, cartões ou senhas, garantindo o direito de escolha do titular sem custo adicional ou exposição do mesmo perante os vizinhos.
A ausência de opções pode configurar violação à LGPD, gerando sanções pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), além de caracterizar constrangimento ilegal e desrespeito ao direito de propriedade garantido pela Constituição Federal.
Entenda melhor no vídeo do advogado Fernando Augusto Zito:
Ao ser informado de um possível vazamento, o síndico deve adotar os seguintes procedimentos:
"Na prática, o que ocorre é o condomínio informar que os dados foram excluídos e quando isso ocorreu, porém, a simples declaração verbal ou informal não é suficiente. A LGPD exige transparência, rastreabilidade e documentação em todas as etapas do tratamento de dados — inclusive na exclusão", explica Marilen.
Portanto, é recomendável que o síndico exija da empresa um relatório técnico com data, hora, descrição dos dados excluídos, sistema utilizado e o responsável técnico. Um registro de log também serve como evidência em caso de fiscalização ou litígio.
Todos esses documentos devem ser arquivados, especialmente em casos de desligamento de moradores ou visitantes que solicitaram a remoção.
Para Debora, é indiscutível que os sistemas de portaria que fazem uso da biometria em condomínios aumentaram a segurança no controle de acesso.
"Não podemos mais aceitar registro em folhas de caderno, acesso através de reconhecimento humano (porteiro), isso vulnerabiliza a segurança e coloca em risco a vida e o patrimônio da coletividade. Por isso, como gestores, temos o dever de buscar empresas de excelência no mercado e garantir a preservação dos dados sensíveis dos nossos condôminos, principalmente o facial", defende Debora.
Empresas do segmento têm adotado uma série de medidas com essa finalidade, incluindo:
Antes de contratar uma empresa de portaria remota que utiliza reconhecimento facial ou digitais para realizar o controle de acesso no condomínio, é essencial esclarecer pontos que garantam a conformidade com os princípios da Lei nº 13.709/2018: finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, segurança, transparência, prevenção, não discriminação e prestação de contas.
"O condomínio, como controlador dos dados, tem uma grande responsabilidade sobre quem ele contrata", reforça Lázaro de Sá, assessor jurídico da Abese.
Segundo ele, as empresas associadas à entidade possuem selo certificado por uma auditoria independente, responsável por assegurar o atendimento de critérios objetivos que envolvem protocolos de segurança, questões documentais e jurídicas.
"Infelizmente nenhum sistema é 100% inviolável, mas considero o processo altamente seguro, especialmente com as medidas de proteção e a escolha de fornecedores confiáveis e atualizados com normas de segurança cibernética", lembra Debora.
A seguir, listamos os principais pontos destacados pelos entrevistados para fazer uma boa contratação:
Para garantir a conformidade com a LGPD e proteger juridicamente o síndico e o condomínio, o contrato com a empresa de biometria deve conter cláusulas específicas que assegurem a segurança, transparência e responsabilidade no tratamento dos dados pessoais sensíveis.
Essas cláusulas criam uma rede de proteção jurídica que resguarda o síndico e o condomínio em caso de incidentes, além de demonstrar diligência na contratação. A recomendação é que o contrato seja revisado por um advogado especializado em LGPD e direito condominial. Veja as principais:
Para evitar riscos jurídicos e proteger a privacidade dos moradores, o síndico precisa agir com diligência, transparência e responsabilidade. Com base nas orientações de especialistas, montamos um checklist para consulta rápida:
Fica claro que a implementação da biometria em condomínios é uma via de mão dupla. Se por um lado a tecnologia oferece uma conveniência inegável, por outro, ela transfere uma grande responsabilidade para síndicos e gestores, que se tornam guardiões de alguns dos dados mais sensíveis dos moradores.
A gestão de dados biométricos é um dos aspectos mais críticos, mas a conformidade não para por aí. Para garantir que o condomínio esteja protegido e alinhado às normas, é essencial ter um entendimento completo da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e suas aplicações no condomínio. Leia esta matéria e aprofunde-se no tema para blindar sua administração de multas e riscos.
Fontes consultadas: Alexandre Prandini (síndico profissional); Bruna Maia (executiva de contas da DPOnet); Debora Ravani (síndica profissional); Lázaro de Sá (assessor jurídico da ABESE); Marilen Amorim (advogada)