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Cuidados ao contratar uma garantidora para o condomínio

A garantia de crédito não é necessariamente uma “armadilha”, nem uma coisa ruim, quando avaliada com serenidade e com um mínimo de conhecimento sobre o processo

Por Thais Matuzaki (edição)

18/05/22 12:48 - Atualizado há 1 ano


Por Andrew Carvalho Pinto*

A inadimplência é um problema crônico para a grande maioria dos condomínios. Num cenário de crise econômica pós-pandemia, no qual 8 em cada 10 famílias brasileiras perderam renda (Fonte G1), esse quadro se tornou ainda mais agudo.

É bem verdade que antes de  tudo isso já não era fácil: a leniência da legislação brasileira na cobrança da  inadimplência, de modo geral, somada ao baixo custo de atrasar a cota condominial, já produzia esse efeito muito antes do cenário sombrio da economia atual.  

Multas e juros baixos para cobrança de taxa condominial

reduzida para apenas 2% o condomínio uma das contas mais baratas para ser atrasada.

Quem vai deixar de  pagar o cartão para quitar o condomínio?  

É certo que o condomínio é uma das pouquíssimas dívidas que pode determinar a perda do imóvel, unifamiliar, ainda que bem impenhorável diante de outros débitos. Nem isso serve para redução dos efeitos da inadimplência: a conhecida lentidão da Justiça é ainda mais marcante quando se trata de cobrança de débitos dessa natureza...  

De sorte que os síndicos acabam tendo que recorrer a três medidas amargas:

entrada das fintechs no mercado (empresas do setor financeiro, catapultadas pelo uso intensivo  da tecnologia) – o mercado das “garantidoras”.  

O que é uma “garantidora” de crédito do condomínio?

empresa que garante o repasse quase integral da receita potencial do condomínio (gerada pela emissão dos boletos),  mediante uma taxa de deságio (desconto).

Para entendermos melhor como isso funciona é necessário recorrer a um paralelo existente há muitos anos no mercado financeiro, numa linha de crédito destinada a empresas: o  desconto bancário.

Numa operação dessa natureza, o empresário, detentor de títulos a  vencer (cheques pré-datados, duplicatas), contra seus clientes, reúne esses papéis e  cede os direitos de crédito a um banco.

banco calcula o prazo médioe adianta os valores, mediante um “desconto”, conforme  a taxa de juros cobrada pela instituição.

Assim, se eu tenho R$ 10 mil em títulos a  vencer no futuro, que calculada a média, determinaram um prazo de 30 dias e a taxa do banco é de 3%, o banco ficará com todos os títulos por um valor de R$ 9.700, que será imediatamente repassado ao empresário.  

As garantidoras de crédito para condomínio operam exatamente na mesma base: digamos que seu condomínio tem uma receita potencial (determinada pela emissão dos boletos que os condôminos  devem pagar) de R$ 100 mil.

agora, pertencem à garantidora. São cedidos a ela os  direitos de cobrança dos mesmos.  

Teoricamente, é uma bela saída para condomínios combalidos pela falta de pagamento de seus condôminos: dinheiro que entraria muito mais lentamente, ingressa quase que de imediato nas contas dos condomínios e ainda, a cobrança – sempre complexa e  exigindo uma estrutura e pagamento de serviços às administradoras – agora, não é  mais preocupação do síndico.

No entanto, ao optar por um serviço dessa natureza – que requer, obviamente pela natureza do contrato, aprovação assemblear – o síndico precisa saber de algumas coisas que são próprias do mundo das finanças e entender a dinâmica dessas  operações, para garantir o melhor negócio para o condomínio que representa.  

O que o síndico precisa saber ao contratar uma garantidora para o condomínio

1. Entender os cálculos

isso nada mais é do que uma operação de empréstimo – tal como estabelecemos o paralelo com o desconto  bancário. Um empréstimo “lastreado” em títulos.

O termo pomposo, usado como jargão no mercado financeiro, significa que a operação tem sustentação, garantia nos próprios  títulos (tal como o lastro da cama ou de um barco). E qualquer operação de empréstimo é, na via inversa, um investimento para alguém.

Todo o dinheiro que circula como crédito no mercado financeiro tem os bancos apenas como intermediários (Sim! Essas instituições não ganham dinheiro emprestando o próprio dinheiro, mas sim o de terceiros...): na outra ponta há alguém que aportou esses recursos que estão sendo cedidos, na forma de um investimento.  

Investimentos são avaliados seguindo um tripé fundamental:

combinação desses três aspectos determina se um investimento é bom ou ruim e os especialistas do mercado procuram determinar uma previsão sobre as operações que são feitas com base neles.  

Logo, se um empréstimo é um investimento para alguém (algumas garantidoras também trabalham captando recursos de terceiros para fazer essas operações), ele também procurará o melhor equilíbrio desse tripé. No caso, evidentemente, da ótica de quem está emprestando e não, daquele que toma emprestado.  

Vejamos: a dívida do condômino é líquida e certa. Tem como garantia fundamental o próprio imóvel do mesmo. Vai ser recebido com multa, juros, correção e ainda se pode  agregar honorários de cobrança. Contrato bem fundamentado e o risco da garantidora é mínimo. Obviamente, pode demorar. E isso, impacta na liquidez.

grau de inadimplência do condomínio é o que vai determinar a taxa “descontada” do mesmo e, portanto, a rentabilidade de quem está alcançando antes o dinheiro.  

Mas agora, vamos ao “pulo do gato”: naquele exemplo anterior, com uma taxa de 10%, a garantidora teve um resultante muito maior que isso. Por quê? Simples: digamos que a inadimplência média do condomínio seja de 20%. Retomando nosso exemplo, temos o seguinte quadro: 

Só que a inadimplência é de apenas 20%. Logo, o que deixará de ser pago desses  R$ 100 mil são R$ 20 mil,  correto?

garantidora receberá os outros R$ 80 mil pelo pagamento dos condôminos adimplentes. E, com a taxa cobrada,  resultou em juros de R$ 10 mil, o que representa uma taxa de 50% sobre o valor efetivamente emprestado!

Isso, além de multa, juros,  atualização monetária e honorários de cobrança que serão repassados aos inadimplentes.  

garantidora terá que estruturar todo um sistema de cobrança, o que inclui um jurídico atuante, da mesma  forma como o condomínio tinha a necessidade de fazer.

Também é verdade que, muitas vezes, mesmo os R$ 80 mil não entrariam em uma única data, com vários condôminos pagando ao longo do mês, o que torna a inadimplência, se considerada assim como desde o primeiro dia a partir do vencimento, muito maior. Mas o que responderá se isso é mesmo um bom negócio para a garantidora é uma outra questão:  o tempo! 

2) Tempo

valor do  dinheiro no tempo. Tempo, portanto, é um “ativo” importante e determinante da rentabilidade.

Uma taxa de 10% é cara ou barata? Depende de quanto tempo estamos falando: uma taxa de 10% ao mês (como, por exemplo, no cheque especial) resulta em  213,84% ao ano, ou seja: triplica o dinheiro investido em apenas 12 meses). Uma taxa de 10% ao ano, para os padrões brasileiros, é uma taxa barata (como a média utilizada  para aquisição da casa própria).  

valores de condomínio não entrarão todos na mesma data estabelecer um prazo médio para determinar a taxa com precisão – o que é impossível  sem os dados exatos.

Mas, apenas para demonstração, digamos que todos aqueles 20% que ficaram inadimplentes paguem apenas após um ano (o que é só um exercício

de demonstração, posto que não acontecerá): a taxa cobrada pela garantidora resultaria em uma rentabilidade de 3,44% ao mês.

Se todos pagarem após 2 anos, 1,70% a.m. Com todos pagando após 3 anos, 1,13% a.m. Verifica-se que é um grande negócio: taxas obtidas em produtos de investimento no setor bancário são bem inferiores a estas. 

E lembremos que, somada a esta taxa, a garantidora acumulará neste período multa,  juros, atualização monetária e honorários de cobrança sobre os débitos.  

primeira recomendação que se faz é: não aceite taxas de desconto muito elevadas. É claro que elas dependerão do seu nível de inadimplência (em alguns condomínios, bem mais do que os 20% do exemplo). Mas, de qualquer forma, uma taxa mais baixa ainda resultaria em um excelente negócio para quem está emprestando ao condomínio. De outra parte, também surge uma grande competitividade nesse tipo de serviço. Portanto, não aceite a primeira oferta!  

3) Questões contratuais

Comecemos pelos  boletos: a maior parte das garantidoras exige que a emissão dos boletos passe a ser sua.

Duas considerações importantes: a primeira, verificar como fica o custo dessa emissão, de forma que ela não gere uma agregação de despesa na operação, com um custo muito maior do que hoje o condomínio paga.

Segundo, há garantidoras que não fazem tal exigência – o condomínio ou a administradora continua responsável pela emissão dos seus boletos – o que é sempre preferível.

receita inteira do condomínio nas mãos desse alguém. O que só é recomendado se houver muita confiança em quem vai receber e movimentar esses recursos.  

até 36 meses. Fuja disso! Há garantidoras que nem mesmo fidelidade cobram, ou seja: você pode desfazer o contrato a qualquer momento, com uma antecedência mínima de 30 dias. 

taxa bem abaixo dos parâmetros recebidos em outras propostas. 

4) Revisão da taxa cobrada por elevação da inadimplência

Aqui, junto com o tema anterior, pode gerar um conteúdo explosivo para o condomínio:  inadimplência sobe, a taxa de desconto se torna muito alta e o condomínio está preso na fidelidade de um contrato longo. Desastre!

Há garantidoras que estabelecem a revisão das taxas apenas a pedido do condomínio. O que só será interessante se este tiver a convicção de que elas podem baixar, por uma redução significativa da inadimplência.  

5) Atenção às ofertas adicionais

Como há bastante concorrência no mercado, há empresas que já estão adicionando às suas ofertas elementos como seguro desemprego ou perda de renda, seguro de vida e outros serviços a moradores.

não se iluda com coisas que podem encher os olhos,  mas que têm pouco aspecto prático!  

Em resumo, o processo de garantia de receita é mais um produto financeiro que se  soma a outros tantos de adiantamento de recursos, mais um produto de crédito.

Como  todos, não é necessariamente uma “armadilha”, nem uma coisa ruim, quando avaliado com serenidade e com um mínimo de conhecimento sobre o funcionamento desse tipo de processo.

Lembre-se de que há uma empresa por trás que visa lucro e detalhes do contrato são tão importantes quanto a proposta e que o síndico não pode ficar “encantado” porque, de repente, passou a contar com uma receita que antes não contava se isso tiver um custo muito alto depois.

No mais, é uma boa alternativa diante de tantas dificuldades para angariar recursos, que só quem é síndico ou administrador de condomínios conhece. 

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(*) Andrew Carvalho Pinto é pós-graduado em Contabilidade e Auditoria; Logística e Gerenciamento de Materiais e em Ciências Humanas. É professor do curso Técnico de Transações Imobiliárias do SENAC e proprietário da GConsult, empresa que atua há quase 10 anos na administração de condomínios.