Jurídico

O fim do PPRA

Portarias dão nova redação às NR's 01 e 09 de prevenção à saúde do trabalhador

Por Gabriela Piva

terça-feira, 18 de janeiro de 2022


O gerenciamento de riscos e o fim da era do PPRA

em vigor das Portarias SEPRT/ME nºs 6.730 e 6.735no último dia 3, puseram fim a mais de duas décadas de vigência do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), estabelecido pela Norma Regulamentadora n° 09 (NR 09), com redação da Portaria SSST nº 25, de 29 de dezembro de 1994.

O estabelecimento do PPRA nos anos 1990 decorreu de um movimento iniciado no final da década de 1970 que pretendeu reorganizar a legislação nacional vigente com a adoção de programas de prevenção, os quais foram influenciados pelo movimento operário italiano e pela luta por direitos civis norte-americana.

taxas de acidentes de trabalho, do predomínio de condições laborais insalubres e perigosas em um contexto de limitadas práticas prevencionistas, que ficavam restritas a programas voluntários praticados por grandes corporações e da demanda de diversos setores profissionais pela regulamentação de profissões especializadas na saúde e segurança do trabalhador.

direito do trabalhador a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" e o dever estatal via Sistema Único de Saúde de "colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho", de acordo com o inciso VIII do artigo 200, visando à preservação do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" previsto pelo artigo 225 da Constituição.

PPRA foi concebido para antecipar e reconhecer riscos, estabelecendo a partir desse reconhecimento as prioridades e metas de avaliação, com posterior implementação dos controles. Para fins do PPRA os riscos ocupacionais eram somente os riscos ambientais, ou seja, os agentes físicos, químicos e biológicos existentes nos ambientes laborais que, em virtude de sua natureza, concentração, intensidade e tempo de exposição tinham a capacidade de prejudicar a saúde laboral.

dinâmica das relações laborais e o constante avanço da tecnologia, fizeram com que o PPRA fosse perdendo sua essência, aproximando-o cada vez mais de uma mera prática burocrática, ao passo que o distanciava do programa de prevenção como originariamente imaginado.

dificuldade de aplicação do PPRA no regime de teletrabalhobaixa integração com o PCMSOexclusão da prevenção de outros riscosa não diferenciação entre grandes, médias e pequenas empresas permitem inferir uma redução da eficácia do instrumento, levaram à necessidade de um repensar sobre o formato do programa.

novas abordagens foram sendo construídas(PCMAT) da NR 18, o PPRA abrangente previsto no Anexo I da NR 19, voltado para a indústria e comércio de fogos de artifício e o Programa de Gerenciamento de Risco (PGR), cujo início deu-se no âmbito da mineração disciplinado pela NR 22.

incidência de outras normas regulamentadoras resultou na publicaçãoincluir o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e instituir o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). No dia seguinte, 10 de março de 2020, era publicada a Portaria SEPRT/ME nº 6.735, que deu nova redação à NR 09 e pôs fim à necessidade de elaboração do PPRA.

(físicos, químicos e biológicos) quanto os fatores ergonômicos e os riscos de acidentes, como superfície escorregadia, queda de altura, choque elétrico, entre outros.

O GRO também pretende estabelecer a sistematização dos processos de identificação de perigos, avaliação e controle dos riscos ocupacionais — aqui entendido como o resultado da avaliação da combinação da probabilidade e da gravidade de possíveis lesões ou agravos à saúde —, por meio dos documentos denominados Inventário de Riscos Ocupacionais e Plano de Ação, que compõem o Programa de Gerenciamento de Risco (PGR).

O PGR foi pensando como um processo contínuo, revisado bienalmente ou quando do acontecimento de determinadas situações previstas na legislação, como a ocorrência de acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho, integrado com planos e programas relacionados à saúde e segurança do trabalhador, como o Programa de Conservação Auditiva (PCA) ou o Plano de Prevenção de Riscos de Acidentes com Materiais Perfurocortantes previsto na NR 32.

Essa integração com outros programas e planos, se de fato efetivada, reduzirá a falta de alinhamento e de sistematização de informações que acabam resultando na falha de proteção ao trabalhador e aumento seu risco ocupacional.

Uma atuação mais proativa das organizações, como agora preconizado pela NR 01, ao invés de reativa, também permitirá um melhor gerenciamento dos riscos e um aperfeiçoamento do sistema de proteção ao trabalhador.

As instituições que não se atualizarem adotando as providências necessárias para o cumprimento das normas e protocolos de segurança e saúde do trabalhador, mais especificamente das disposições relativas ao GRO e PGR, poderão ser responsabilizadas juridicamente, não mais subsistindo a infortuna prática de algumas organizações de copiar e colar informações sem qualquer alteração e/ou reflexão, ano após ano para atender formalmente a exigência normativa, sem uma real preocupação com a saúde e segurança laboral de seus colaboradores, dado que chegou ao fim a era do PPRA.

Autor | Conjur - Dalton Tria Cusciano é pós-doutorando em Direito e Novas Tecnologias pelo Mediterranea International Center for Human Rights Research da Università "Mediterranea" di Reggio Calabria (Itália), doutor em Administração Pública e Governo (FGV/SP), mestre em Direito e Desenvolvimento (FGV/SP) e professor da Escola de Negócios e Seguros de São Paulo e da Ambra University.