Diego Basse

PL 2510/2020: condomínios na luta contra violência doméstica

O Projeto de Lei aprovado no Senado, e que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados, é um grande avanço, mas precisa de reparos. Advogado aborda os ajustes

Por Thais Matuzaki

10/07/20 10:41 - Atualizado há 2 anos


Por Diego Basse*

obriga moradores e síndicos de condomínios a informar casos de violência doméstica às autoridades competentes. 

está em tramitação na Câmara dos Deputados, certamente simboliza uma forma de redução dos alarmantes números de violência doméstica no Brasil, uma vez que o país atualmente ocupa o quinto lugar entre os países mais violentos do mundo.

A ideia central do projeto é de estabelecer que condôminos, locatários e síndicos de condomínios denunciem casos de violência familiar, que venham a tomar conhecimento na rotina condominial, seja nas áreas comuns do condomínio, seja dentro das unidades habitacionais.

violência não necessita ser, necessariamente, contra a mulhercrianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência física ou mental.

A proposta chegou em bom momento. Em tempos de pandemia, o Brasil registrou um aumento exponencial no número de casos de violência contra a mulher em praticamente todos os estados. 

Em 2020, o número de prisões em flagrante, em São Paulo, decorrentes de violência doméstica saltou de 177, registradas em fevereiro, para 268 no mês de março. O Rio de Janeiro registrou um aumento de 50% nos casos de violência doméstica, conforme destaca a Organização das Nações Unidas para Prevenção e Eliminação da Violência contra Mulheres. 

Contudo, cabe análise criteriosa no âmbito condominial, pois o Projeto de Lei precisará de ajustes no tocante ao cotidiano condominial e as responsabilidade já insertas no Código Civil, que derrogou parcialmente a Lei 4591/64 no tocante às questões condominiais, na prática, inclusive para discussões judiciais, a legislação aplicada no dia a dia é a Lei 10.406/2002, dos artigos 1331 a 1358. 

diz respeito à figura do “administrador” que na Lei 4591/64 se confundia com a função do síndico. 

Atualmente o síndico pode delegar suas funções, conforme preceitua o artigo 1348, § 2º do Código Civil e as responsabilidades mencionadas no Projeto de Lei recairiam sob tal “preposto” ou representante do síndico.

fundamentos para a destituição do síndico, que segundo o projeto de lei, a omissão em relação aos caso de violência doméstica podem ensejar a destituição. 

Contudo, cumpre-nos lembrar que a destituição demanda a formalização do ato, por meio de assembleia especialmente convocada para esse fim, ou seja, toda a massa condominial, observando os preceitos dos artigos 1349 e 1355 do Código Civil , deverá obter ¼ (um quarto) da assinatura dos condôminos (artigo 1355 do CC.) para convocar assembleia extraordinária tendo como ordem do dia pauta específica para tratar da destituição do síndico.

No entanto, a nova lei inova trazendo o seguinte acréscimo à questão da destituição sob o fundamento da omissão nos casos em que haja necessidade de intervir por força da violência doméstica, conforme indicamos:  

§ 3º O descumprimento, pelo síndico ou administrador, do dever a que se refere o inciso IV do caput deste artigo:

I – acarretará a destituição automática do síndico e do administrador de suas funções, desde que lhes tenha sido imposta, previamente, penalidade de advertência ou equivalente por assembleia geral especialmente convocada para esse fim;

II – sujeitará o condomínio, a partir da segunda ocorrência, ao pagamento de multa de cinco a dez salários de referência, revertida em favor de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher, aplicando-se o dobro, em caso de reincidência. (NR)”.

quem aplicará advertência ao síndico? O conselho? A vítima da violência doméstica? ¼ (um quarto) dos condôminos? Qualquer condômino?

Ou seja nos parece que o mandamento legal nesse item é natimorto, pois é inexequível.

flagrante omissão do síndico deverá ser discutida em assembleia própria, sujeita à imediata ou “automática” destituição. 

Não nos parece razoável o síndico, no meio das suas já incontáveis responsabilidades, ainda ter sob sua cabeça a “espada” da destituição “automática”.  Ou seja nos parece que o texto acima é natimorto, pois é inexequível. 

Sem perder de vista que a ação ou omissão (no caso) devem ser devidamente comprovadas, sob pena de não haver fundamento para a referida destituição.

imputação de penalidade em face do condomínio. Ficam aqui duas indagações: quem fiscalizará e imputará multa e quem denunciará eventual omissão. Autoridade policial, Ministério Público? Talvez... 

Sob o olhar pragmático, a nova legislação é uma ferramenta do síndico para que ele, municiado da responsabilidade legal, contrarie o velho ditado “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”,  sob a égide da nova legislação o síndico poderá “meter a colher”, justamente para evitar tragédias familiares, que diuturnamente preenchem os noticiários sensacionalistas. 

O síndico poderá acionar as autoridades policiais e exigir a interferência dessa autoridade, quiçá lavrando boletim de ocorrência, denunciando a violência contra a mulher, que outrora dependia tão somente da denúncia da vítima, que por motivos óbvios prefere muitas vezes se calar. 

Compete ainda ao síndico “educar” a massa condominial para conter a violência doméstica, afixando placas e ou comunicados  nas áreas comuns, preferencialmente nos  elevadores, para coibir a prática de violência doméstica contra a mulher.  

imputação do dever ao condômino e ou locatárionão poderá praticar atos de violência contra a mulher, ficando sujeito às penalidades disciplinares do próprio condomínio. 

Além disso, impõe aos condôminos o dever de comunicar ao síndico os atos de violência contra a mulher, para que este promova a obrigatória comunicação às autoridades policiais. 

Concluímos que a intenção do senador e do Senado ao aprovar o referido Projeto de Lei é  indiscutivelmente boa, pelas exposições preliminares traz um avanço nas lutas seculares das mulheres, é uma grande conquista e uma imenso avanço social. 

Porém, para que a lei não perca seu verdadeiro sentido (de prevenir o fato social nocivo e ser exequível), são necessários reparos e aqueles que lidam com as questões condominiais no dia a dia, ou seja, síndicos, administradores e advogados, devem reverberar as inconsistências, para recebermos uma nova lei, caprichosamente ajustada como o é a alma de mulher.    

(*) Diego Gomes Basse (OAB/SP 252.527) é palestrante e sócio titular da Banca de Advogados Gonçalves, Basse & Benetti Advogados (escritório associado à AABIC e ao SECOVI/SP.). É também consultor e advogado especialista em Direito Condominial; militante na área há mais de 15 anos. Basse é ainda presidente da Comissão de Direito Condominial da Subseção da OAB /SP da Comarca de Barueri; e consultor e colaborador do Instituto Cacau Show.