Amanda Accioli

Venda ilegal de área comum do condomínio por incorporadora

É comum moradores criarem vagas de garagem em espaços aparentemente ociosos do condomínio. Isso, se trata, na verdade, de apropriação de área comum. Veja como agir

Por Amanda Accioli*

26/07/23 12:42 - Atualizado há 7 meses


Certa vez, em um condomínio em Indaiatuba, interior de São Paulo, proprietários de duas unidades ocupavam indevidamente uma área comum do condomínio como se fosse uma garagem para estacionar seus veículos.

Em resumo, os proprietários estavam suprimindo área comum do condomínio, tornando-a uma vaga particular deles. Contrariando, assim, o disposto na Lei, convenção do condomínio, Instituição do Condomínio, bem como na própria incorporação registrada em Cartório de Registro de Imóveis, a qual identificava 76 vagas autônomas de garagens.

Isso porque, notava-se, claramente, que não existia nenhuma vaga nº 77, numeração equivocadamente dada pela incorporadora àquela área comum. 

O condomínio questionou a situação e descobriu que a incorporadora havia firmado com os estes condôminos proprietários um “contrato de gaveta” onde criaram um negócio jurídico nulo. Inacreditável, não é? Afinal, a incorporadora jamais poderia vender área comum!

Houve claramente má-fé na formulação do “negócio” mencionado, já que a incorporadora fez constar, na cláusula décima, que os “compradores” jamais conseguiriam a “escritura pública” de compra e venda, “por tratar-se de área reaproveitada.

O que a incorporadora denominou como "área reaproveitada", na verdade, tratava-se de área comum a todos os condôminos e jamais poderia ser "vendida".

Ao tomar conhecimento da situação e da documentação, o condomínio notificou extrajudicialmente os condôminos em questão em junho de 2019, para que desocupassem a área comum do condomínio.

Mas o condomínio não foi atendido, foi ignorado, e por isso, minha sugestão foi a de entrar com uma ação judicial como o único meio de tentar restaurar aos condôminos sua área comum, indevidamente “negociada” entre terceiros, que dispuseram sobre bem que não pertencia a nenhum deles.  

Além de a convenção daquele condomínio especificar a proibição de usar partes comuns de modo a impedir o uso e gozo por parte dos demais condôminos (anexados aos autos todos os documentos que estou citando aqui, todos devidamente comprovados sempre), a incorporação foi clara na definição da quantidade de vagas de garagens autônomas, no total de somente 76.

Não bastasse a convenção condominial e a instituição de condomínio, documentos registrados, o Código Civil, em seu artigo 1.351, diz que para a alteração de área comum, há a necessidade de aprovação unânime dos condôminos.

“Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos”.

Notem que, com a supressão da área comum do condomínio ao transformar em vaga de garagem, tal ato acabou por embaraçar as áreas comuns.

O Código Civil, em seu artigo 1.335, II, define os dois requisitos para a utilização, pelos condôminos, das áreas comuns:

Art. 1.335. São direitos do condômino:

(...)

II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

O uso que foi dado ao local por estes condôminos é vedado também pela lei 4591/64:

Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos. 

Neste caso, a Tutela de Urgência foi cabível pois, mesmo após o condomínio demonstrar que a conduta estava em desacordo com as normas aplicáveis, os condôminos persistiram com uma conduta irredutível e beligerante.

Preciso trazer à tona que a jurisprudência não tem acolhido a conduta de apropriação indevida de áreas comuns condominiais: 

“EMENTA CONDOMÍNIO AÇÃO DECLARATÓRIA 

Decreto de improcedência Incontroversa a instalação de câmeras de segurança, pelo autor, em área comum do condomínio (hall)- Alegação de que é proprietário das quatro unidades do mesmo pavimento Irrelevância.

Circunstância que não autoriza apropriação de área comum que tem uso delimitado pela convenção condominial - Improcedência corretamente decretada - Aplicação, na hipótese, do artigo 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça Ausência de fato novo – Desnecessária repetição dos adequados fundamentos expendidos pela r. sentença recorrida Precedentes Sentença mantida Recurso improvido.” (Relator(a): Salles Rossi; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 14/04/2015; Data de registro: 14/04/2015);

“AÇÃO DEMOLITÓRIA CONDOMÍNIO - OBRIGAÇÃO DE FAZER

Modificações efetivadas na área comum - Descumprimento de convenção condominial SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, para condenar ao desfazimento da obra RECURSO DA REQUERIDA IMPROVIDO”

(Relator(a): Flavio Abramovici; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 29/04/2014; Data de registro: 30/04/2014)

“Civil. Condomínio. Alteração de área comum. Pedido para a restauração de hall social e de serviço na forma anterior às mudanças procedidas. Sentença que extinguiu o processo com relação ao condomínio co-réu. Dever legal de fazer cumprir as normas previstas na convenção do condomínio. Constatada a omissão quanto à preservação de área comum. Caracterizado o dever de também repor o espaço na forma anterior.

Recurso provido.' (Relator(a): Boris Kauffmann; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 09/09/2008; Data de registro: 19/09/2008; Outros números: 1496094100);

Portanto, se o autor atuou à margem do que determina a convenção condominial e as normas legais pertinentes, indiscutível à possibilidade de imposição de multa, de acordo com o que determina a convenção. (...)”.

O condomínio já estava em prejuízo, e havia, portanto, a necessidade de rápida intervenção do Judiciário a fim de que a solução do litígio não fosse mais protelada como aqueles condôminos vinham fazendo.

Assim, os pedidos na ação foram:

A ação foi ajuizada no início de 2021 com o pedido de tutela de urgência acolhido, porém, ainda corre no Tribunal.

Sei que não podemos garantir o êxito mas, neste caso, com as provas inequívocas de ilegalidade e má-fé, acho difícil eles continuarem com a vaga de número 77.

(*) Amanda Accioli é advogada consultiva condominial; Diretora Regional em SP da ANACON (Associação Nacional da Advocacia Condominial); Membro da Comissão de Direito Condominial OAB/SP, “podcaster” no “Síndicas à Beira de um Ataque de Nervos”; Síndica Profissional na Accioli Condominial; articulista e palestrante. Perfil no Instagram @acciolicondominial.