17/12/25 05:08 - Atualizado há 1 dia
Na primeira quinzena de dezembro, São Paulo viveu, mais uma vez, dias de caos. Mais de 2,2 milhões de moradores ficaram sem eletricidade e outros tantos, sem água. E o motivo foi simples: ventou.
Não foi uma tempestade, tampouco as tradicionais chuvas de verão. Foi apenas o vento, suficiente para arrancar árvores, fios e até postes.
O cenário que se formou revelou algo ainda mais grave: a inexistência de planos de contingência realmente eficazes. Nem a Prefeitura, nem a concessionária de energia elétrica conseguiram responder de forma coordenada e transparente.
Famílias passaram até cinco dias sem luz, perderam alimentos e medicamentos. Mais de mil árvores caíram, semáforos deixaram de funcionar e circular pela capital tornou-se um exercício de resiliência urbana. Tudo isso sem informações claras à população, que paga uma das maiores cargas tributárias do planeta.
Do ponto de vista da gestão condominial, os impactos foram imediatos e severos:
Gastos extras, moradores insatisfeitos, produção constante de comunicados e abertura de inúmeros chamados junto à concessionária compuseram um cenário que mais parece ficção, mas se repete com frequência alarmante.
Gestores prediais experientes se preparam para situações como essa. Mantêm equipes de apoio, fornecedores pré-cadastrados e adotam medidas preventivas ao menor sinal de risco. A pergunta que permanece é: por que o poder público não faz o mesmo?
Árvores sem manejo caem. Redes sem manutenção falham. A concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica em São Paulo iniciou suas operações em 2018, com contrato que previa investimentos robustos em modernização, expansão e qualidade do serviço, todos acompanhados de metas e cronogramas.
Relatórios e comunicados oficiais informam investimentos bilionários nos últimos anos, incluindo o anúncio, em 2025, de um plano de R$ 10,4 bilhões até 2027.
Ainda assim, há registros regulatórios e ampla cobertura da imprensa sobre problemas operacionais, multas e processos administrativos junto à ANEEL, especialmente após os apagões de 2023 e 2024. Isso levanta dúvidas legítimas sobre a efetiva robustez das redes e o cumprimento dos planos de contingência anunciados.
Mas o problema não se restringe à concessionária. Onde está o poder público municipal? Não faltam técnicos capazes de mapear áreas críticas, nem dados sobre o crescimento acelerado de novos empreendimentos imobiliários que pressionam uma infraestrutura já fragilizada. Falta coordenação, prioridade e execução.
É impossível ignorar o óbvio: árvores caem sobre a fiação e a cidade apaga. Galhos tocam os fios, chaves desarmam, bairros inteiros ficam às escuras.
Soluções simples e conhecidas, como podas de condução adequadas e o tratamento das raízes, muitas vezes comprometidas por cupins de solo, seriam capazes de reduzir significativamente esses eventos.
No entanto, os órgãos municipais responsáveis por essas ações não se comunicam entre si, transformando a falta de integração administrativa em risco urbano.
Do lado da concessionária, investir seriamente em redes subterrâneas e calhas técnicas não deveria ser exceção, mas regra.
Componentes enterrados não são derrubados pelo vento. Na região central de São Paulo, onde a fiação é subterrânea, as quedas de energia são raras. Isso não é acaso: é resultado de planejamento urbano e infraestrutura bem executada.
O que falta, em última instância, é vontade política para realizar obras que não aparecem, que não rendem fotos nem dividendos eleitorais. Obras que ficam enterradas, literalmente.
Mas a urgência é real. A população sofre, e as mudanças climáticas exigem cidades mais resilientes, capazes de conviver com árvores saudáveis e infraestrutura segura.
Há ainda um impacto silencioso e frequentemente ignorado: as redes aéreas eletrocutam diariamente a fauna nativa que ainda resiste na cidade. Saruês, saguis e outros animais morrem ao entrar em contato com fios energizados.
Na semana passada, um pequeno primata morreu em um condomínio que cuido na zona sul de São Paulo após sofrer queimaduras e graves sequelas neurológicas provocadas por um fio que se soltou. Apesar dos esforços do condomínio e da equipe de veterinários, não houve sobrevivência. A morte de um animal silvestre por esse motivo configura crime ambiental.
O que mais precisa acontecer para que se reconheça a gravidade dos eventos causados pelo atraso crônico nas obras de infraestrutura urbana? Quando o vento é suficiente para derrubar uma cidade inteira, o problema definitivamente não está no clima — está na forma como escolhemos planejar, executar e fiscalizar o espaço urbano.
(*) Lígia Ramos é Arquiteta Urbanista e Bióloga, síndica profissional da D’Accord há 20 anos, em São Paulo. Cuida de aspectos práticos do condomínio, como áreas verdes, gestão de pessoas, planejamento e comunicação.