14/11/25 12:32 - Atualizado há 16 dias
A inadimplência no Brasil alcançou níveis alarmantes em 2025, refletindo o agravamento da crise financeira das famílias.
Em agosto, mais de 78 milhões de brasileiros estavam endividados – um crescimento de 7 milhões em apenas dois anos – e o percentual de lares com dificuldades para honrar compromissos chegou a 30,4%, o maior patamar em 15 anos, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic).
Esse é certamente um dos principais problemas para fechar as contas de muitos condomínios. Com frequência vejo erros de origem, onde a previsão orçamentária simplesmente desconsidera a existência de inadimplência.
O gestor calcula corretamente as despesas mensais (digamos que sejam R$10 mil), projeta as receitas em R$10 mil, mas esquece de incluir na conta aquela receita que historicamente não entra por conta dos que atrasam ou não pagam suas cotas condominiais.
Previsões orçamentárias com esse tipo de erro são como submarinos: podem até flutuar, mas foram feitas para afundar…
O que fazer diante desse cenário de inadimplência crônica? Um artifício bastante utilizado por muitos condomínios - inclusive por garantidoras - é o desconto pontualidade ou desconto antecipação.
A intenção é oferecer aos condôminos um incentivo ao pagamento pontual ou antecipado das cotas em troca de um desconto. A intenção é ótima; a forma, nem tanto… Essa é uma prática que pode trazer problemas ao condomínio, tanto por motivos jurídicos quanto por motivos meramente financeiros.
Há, basicamente, duas formas de oferecer o desconto pontualidade, e ambas apresentam problemas:
Caso 1: quando o valor pago antecipadamente é realmente inferior ao calculado na previsão orçamentária (desconto real).
Ocorre quando a administração do condomínio oferece um desconto sobre o valor da cota condominial caso o condômino pague até certa data antes do vencimento. Se for realmente um desconto sobre o valor corretamente calculado da cota condominial, isso é um problema.
E por quê? Vamos imaginar que o desconto é de 10%, e que todos do condomínio paguem antecipado. O condomínio receberia 10% menos de receita em relação ao projetado na previsão orçamentária, gerando déficit ordinário. É como se esse mecanismo criasse uma “inadimplência artificial”...
Exemplo:
| Valor da cota calculado na previsão orçamentária | R$ 100 |
| Valor cobrado se pago antes do vencimento | R$ 90 (10% de desconto*) |
| Déficit | R$ 10 |
* Percentual meramente ilustrativo
Em outras palavras: cria-se uma situação em que, quanto mais pessoas pagarem no prazo, pior para as finanças do condomínio. E tem mais: normalmente quem tende a aderir a esse tipo de desconto são justamente os pagadores pontuais, que pagariam em dia de qualquer jeito, com ou sem incentivo…
Caso 2: quando o valor pago antecipadamente é o correto, e se pagar com atraso, o valor é muito mais alto do que com 2% de multa e 1% de juros a.m.
Nesse caso, o valor real da cota é aquele calculado na previsão orçamentária até a data do vencimento. Aí a administração informa que o valor “oficial” da cota ordinária não é aquele, e sim um outro arbitrado artificialmente bem mais alto, e que se o condômino pagar até o vencimento, o valor “tem um desconto”…
Exemplo:
| Valor real da cota, calculado na previsão orçamentária | R$ 100 (“com desconto”) |
| Valor da cota informado como “oficial” a ser cobrado | R$ 120 (inflado em 20%*) |
| Valor cobrado se pago depois do vencimento | R$ 120 (o “oficial”) |
| Se fossem cobrados apenas multa e juros legais | R$ 103 |
| Diferença de = | +R$ 17 |
* Percentual meramente ilustrativo
Esse tal “desconto” não é desconto, é o valor correto! E o valor “oficial” nada mais é do que o correto + uma ameaça! E uma ameaça questionável na justiça por se tratar de punição dobrada (multa e juros + valor mais alto calculado arbitrariamente), que no jargão jurídico é conhecida como “bis in idem”, que em latim significa que o indivíduo sofreu uma dupla sanção por conta de um mesmo fato gerador.
Os tribunais vêm se manifestando há anos sobre o tema, e o entendimento majoritário é que só é lícita a concessão de desconto por pontualidade caso não se configure multa disfarçada e esteja prevista em convenção ou deliberada em assembleia.
O Código Civil vigente (Lei nº 10.406/2002) não trata expressamente do “desconto de pontualidade” em cotas condominiais. O que existe é a proibição de multa superior a 2% e juros moratórios de 1% ao mês, conforme o art. 1.336, §1º. Portanto, a lei não proíbe o desconto, mas também não o regula — deixando espaço para interpretação.
Contudo, o Projeto de Lei nº 5.385/2023, que altera o Código Civil (reforma em tramitação no Senado), pretende regular expressamente o tema. A nova redação proposta pelo art. 1.336 §1º-A autoriza a concessão de desconto por pontualidade, desde que:
Porém, como vimos acima em “A conta não fecha”, o Caso 1 corresponde ao item B acima, e o Caso 2 corresponde ao item C… E aí?
Quer oferecer essa modalidade aos moradores do seu condomínio? Certifique-se que estes cuidados serão observados:
Portanto, fique atento: medidas que visem a reduzir a inadimplência não podem ser apenas bem-intencionadas. Elas também precisam ser seguras e bem embasadas por serem financeiramente saudáveis e juridicamente válidas.
(*) Sérgio Gouveia é síndico profissional, administrador, especialista em finanças, palestrante com experiência corporativa de sucesso no mundo condominial. Mais de 20 anos de experiência como gestor e mais de 9 anos de experiência como síndico. Autor do livro "Finanças Para Síndicos" (ed. Bonijuris) e influencer com o perfil nas redes sociais @derepentesindico