10/10/25 12:13 - Atualizado há 19 h
O clímax da novela Vale Tudo finalmente chegou no remake: o assassinato da vilã e a pergunta que não quer calar voltou à tona. Afinal, "quem matou Odete Roitman?".
Em meio à suspensão de descrença do episódio - recheado de situações improváveis que viraram memes, tais como suspeitos armados circulando quase que livremente no luxuoso Copacabana Palace, e até um obituário na Folha de S. Paulo - algumas questões ligadas ao universo condominial voltaram ao debate.
Segurança condominial, controle de acesso de visitantes, responsabilidades civil e criminal do síndico, pessoas armadas. E a cereja do bolo: um dos suspeitos estava hospedado no icônico Edifício Chopin, colado no famoso hotel, e teria atirado da janela do apartamento contra o quarto onde estava a vítima.
O SíndicoNet entrevistou um consultor de segurança e dois advogados especialistas em condomínio para responder cada ponto deste mistério, que tem muito a ensinar a síndicos, gestores, funcionários e moradores de condomínio. Então, fique com a gente até o final desta matéria.
Um dos principais suspeitos do assassitado de Odete, César (Cauã Reymond) elaborou um plano mirabolante: propôs que Olavinho (Ricardo Teodoro) atirasse nela da janela de um apartamento do prédio que divide muro com o Copacabana Palace.
"Nem o melhor sniper conseguiria acertar a Odete. Esse tipo de crime só é visto em casos políticos. É muita operação para pouca chance de acerto. Só com o drone do Putin o personagem conseguiria alvejá-la”, avalia, com bastante ironia, o consultor de segurança Eytan Magal.
Titular da maior certificação internacional de segurança (CPP/ASIS), Eytan Magal é israelense naturalizado brasileiro, serviu o exército de sua terra natal e chefiou a segurança de entidades diplomáticas na Bolívia e Brasil.
Ele assistiu ao capítulo da trama recheado de absurdos que teria tido pico de 30,88 pontos de audiência na Grande São Paulo (Kantar Ibope), além das 130 mil menções à novela e 2,9 milhões de interações no X, antigo Twitter, segundo levantamento da FGV.
Brincadeiras à parte, o possível assassinato de Odete ter acontecido de um tiro do prédio vizinho levanta a polêmica sobre os limites de moradores de condomínio com armas.
Notícias envolvendo armas em condomínio não são incomuns nos noticiários, como o caso recente de um médico-legista que apontou um arma contra um vizinho durante uma reunião de condomínio e outro, de um homem preso por disparo de arma de fogo em um condomínio em Pinheiros (SP) e que mantinha um arsenal com cinco armas (fuzil, carabinas, revólver e pistola), munições, colete à prova de bala e uma granada.
Síndicos ameaçados por moradores portando armas também já foram relatados, como Domichelica Armentano, que descobriu um esquema fraudulento de um inquilino de um condomínio onde foi síndica, que foi ao escritório da administração portando arma "pedindo" para ela abandonar o cargo porque estava "estragando" os "negócios" dele.
Esta é uma das várias perguntas que despertam dúvidas.
Sim, moradores de condomínio podem ter arma de fogo na própria residência, desde que tenham autorização legal para posse, seguindo as exigências da legislação brasileira, o Estatuto do Desarmamento, Lei nº 10.826/2003.
"O cidadão pode possuir armas, desde que esteja com a documentação regular: porte e registro da arma. Deve cumprir os requisitos do Estatuto do Desarmamento, como ter no mínimo 25 anos, não ter antecedentes criminais, comprovar idoneidade, residência fixa e efetiva necessidade da arma, além de ser aprovado em avaliação psicológica e teste de aptidão técnica", elucida o advogado especializado em condomínios Diego Basse.
Fora isso, continua Basse, caracteriza crime de porte ilegal de arma de fogo, tipificado pela mesma lei.
No Brasil, um cidadão pode ter no máximo duas armas de fogo de uso permitido para defesa pessoal, caso se enquadre nos requisitos legais, e um limite anual de 50 munições por arma para defesa pessoal.
Este limite, estabelecido pelo Decreto Nº 11.615/2023, se refere à aquisição para defesa pessoal.
"Quem concede a autorização para porte de arma de fogo é a Polícia Federal e o Exército. A quantidade depende da finalidade: segurança pessoal, atirador esportivo, colecionador e outros", explica Basse.
O direito a posse permite que o cidadão mantenha armas somente dentro da área privativa do imóvel, nunca nas áreas comuns do condomínio, exceto se possuir direito ao porte de arma, que é muito mais restrito e específico.
Caso um morador circule ou exiba arma nas áreas comuns sem porte, incorre em crime de porte ilegal, segundo decisões judiciais, inclusive com risco de expulsão do imóvel por comportamento antissocial.
As regras condominiais podem restringir ou determinar normativas sobre armas, como exigir que fiquem sempre guardadas e proibir circulação em áreas comuns.
"Os condomínios precisam se adaptar a essa situação e, assim, decidir pela alteração de seus regimentos internos, como, por exemplo, regulamentar a proibição dos moradores transitarem com armas nas áreas comuns - mesmo a própria legislação já proibindo -, bem como as punições específicas", explica Diego Basse.
A fiscalização para o porte de arma é do poder público. O síndico pode proibir o porte dela nas áreas comuns.
Segundo o entendimento do advogado Diego Basse, não há como o síndico obrigar o morador a informar que possui armas.
"Mas o síndico pode impedir que a pessoa exiba a arma ou frequente as áreas comuns com ela, pela segurança e sossego da coletividade."
Na visão de Basse, o síndico deve abordar o assunto quando houver a necessidade ou quando o tema surgir no condomínio.
"Entendo que ele deverá conversar com o morador em particular, exigindo a boa conduta, sob pena de caracterizar constrangimento e/ou abuso de autoridade. Em casos em que um morador circular com arma em áreas comuns, sempre se deve acionar 190 para registro da conduta, mesmo que seja em face de outro morador, pois o ponto é a segurança da massa", orienta o advogado.
Pressupõe-se que uma pessoa que possui uma arma tenha o porte de arma vigente e documentação regularizada.
A arma sempre deve ser guardada em local seguro, preferencialmente em cofre próprio e trancado, fora do alcance de crianças, visitantes ou pessoas não autorizadas.
"Não é papel do síndico editar normas de cuidados, mas sim, regramentos de conduta dentro das áreas comuns, ou seja, proibir, visto que, não se justifica o seu porte dentro do condomínio", esclarece Diego Basse.
Outras dúvidas que surgem a partir do fictício caso do assassinato de Odete Roitman diz respeito às responsabilidades legais do síndico no controle de acesso, especialmente quando há prática de aluguel de curta temporada, como pareceu ser o caso do Edifício Chopin na novela.
De acordo com o advogado André Jumqueira, especialista em condomínios e atuante no Rio de Janeiro, ao tomar ciência do aluguel de curta temporada, o síndico deve levar o tema à assembleia.
"A coletividade delibera se permite ou não a prática e, se permitir, quais medidas de segurança serão adotadas. Se a assembleia decidir não implantar sistemas ou investimentos de segurança, não há culpa do síndico; o condomínio assume esse risco de forma consciente", esclarece Junqueira.
Em qualquer caso, o risco e a responsabilidade pelos efeitos da atividade permanecem com o locador/proprietário da unidade. Em síntese: a responsabilidade do síndico vai até o limite do que a assembleia deliberar.
O caminho é a prevenção, afirma André Junqueira. O condomínio deve reforçar o regulamento com medidas e controles de segurança (identificação, procedimentos de acesso e sistemas com gravação nas áreas comuns), deliberados preventivamente em assembleia.
"O regulamento deve deixar clara a responsabilização do proprietário que faz locação por temporada e prever multas por descumprimento das normas. A responsabilização do condomínio só se cogita se houver falha comprovada dos próprios procedimentos; se adota e aplica as regras, advertindo e sancionando quem as viola, está no padrão adequado."
Junqueira enfatiza que é essencial diferenciar: condomínio residencial não é hotel; não há relação de consumo entre hóspedes eventuais e o condomínio.
Ainda assim, é recomendável um plano de contingência:
Se o empreendimento funcionar como apart-hotel ou condohotel, há obrigação de procedimentos de segurança robustos; a ausência pode gerar responsabilidade civil. Responsabilização criminal somente se houver prova de participação de funcionário ou preposto em prática delituosa.
Como já mencionado, é fundamental ter um plano de contingência para conter situações que possam prejudicar o condomínio — imagem e patrimônio — e que possam gerar responsabilização do condomínio e até responsabilização pessoal de prepostos.
De acordo com André Junqueira, esse plano deve prever:
Em condomínios mistos, que incluem hotel, condomínio residencial, condomínio comercial, restaurante, áreas de lazer, equipamentos culturais, coworking etc, é essencial haver um cuidado no estabelecimento de regras, acessos e convênios de uso das áreas que não fazem parte do residencial pelos moradores com o intuito de reduzir vulnerabilidades de acesso de pessoas estranhas ao condomínio.
Se a estrutura do empreendimento é voltada à hospedagem — total ou parcialmente — e inclui atividades não residenciais com relação de consumo, a segurança das pessoas que ali ingressam é dever do empreendimento, como em qualquer prestador de serviços, alerta André Junqueira.
"Nesses casos, as regras e medidas de segurança são obrigatórias, e não apenas recomendadas como num residencial puro. Por isso, condomínios que aderem a locações de curta temporada (inclusive via aplicativos) devem ter cautela", diz o ad\vogado.
A depender da quantidade de unidades destinadas a isso e da forma de gestão, o advogado comenta que o Judiciário pode reconhecer relação de consumo em favor de vítimas e impor responsabilidade objetiva do condomínio pela segurança de usuários, moradores e hóspedes.
"Esse cenário exige maior investimento; sendo um negócio, cabe aos envolvidos assumirem o risco do mesmo", diz Junqueira.
Ele prossegue: em condomínios residenciais, a recente “febre” de locações de curta temporada, frequentemente feita por aplicativos — legítima na busca de lucro — costuma ignorar que esse ganho ocorre com custo para o condomínio.
"Os vizinhos não dividem o lucro, mas assumem o risco de segurança. Se o condomínio optar por permitir esse tipo de hospedagem/locação de curta temporada, deve fazê-lo com todo cuidado e investimento em segurança, para que o lucro não se converta em prejuízos oriundos da rotatividade e dos riscos que esse modelo pode trazer a todos", diz André Junqueira.
O consultor de segurança Eytan Magal reforça a existência de ameaças e vulnerabilidade em empreendimentos misto.
"Se um estranho quiser chegar ao elevador, ele vai chegar. O controlador de acesso não vai saber se a pessoa é ou não hospede, é fácil driblar quando não tem barreira física. Uma vez que chega ao elevador ou à escada, essa pessoa vai fazer o que quiser", comenta, pragmático.
Por isso, ele reforça que é preciso haver bloqueio físico, como catraca ou torniquete. "Existem empreendimentos com concierge dentro da clausura e o visitante se identifica como hóspede de curta temporada, faz cadastro, acessa a porta e entra. O grande problema continua sendo o 'efeito carona', é um traço cultural grave no Brasil", diz Magal.
Ele relata sobre a chegada de uma nova tecnologia, o torniquete virtual: é dotado de câmera na clausura que faz a contagem das pessoas dentro do ambiente e faz reconhecimento facial. A pessoa que não teve o reconhecimento, o sistema não libera a abertura da segunda porta, sendo necessária a liberação via interfone/porteiro, que pode solicitar que a pessoa não identificada seja retirada.
O personagem Olavo, a mando de César, teria se hospedado no Edifício Chopin, vizinho ao tradicional hotel. Embora não tenha sido confirmado pela reportagem do SíndicoNet, dificilmente o Chopin permite locação por curta temporada, devido ao tradicionalismo e discrição dos moradores.
De acordo com reportagem do jornal O Globo, fundado em 1956, o empreendimento soma 12 andares e 60 apartamentos de luxo com 300 a 400 metros quadrados de área, alguns, avaliados em mais de R$ 8 milhões.
O condomínio já teve moradores ilustres, entre artistas e socialites, Narcisa Tamborindeguy, Maitê Proença, Regina Gonçalves e Gilberto Gil - este último, ainda residente.
Diferente da maioria dos vizinhos, a excêntrica Narcisa "ai que loucura" era explícita em mostrar seu apartamento e sua rotina de vida, que incluía o uso da piscina e da academia do Copa.
O muro do Chopin, embora faça divisa com a piscina do Copacabana Palace, aparentemente não tem passagem direta dos moradores para as instalações. Aqueles que fazem uso da estrutura do hotel, como era o caso de Narcisa, precisam entrar no hotel como qualquer outro hóspede, sujeitos aos protocolos de segurança do hotel.
Fontes consultadas: André Junqueira (advogado), Diego Basse (advogado), Eytan Magal (consultor de segurança). Com informações do jornal O Globo, Meio & Mensagem,