11/04/25 05:36 - Atualizado há 16 dias
Em um cenário alarmante que vem ganhando cada vez mais visibilidade no Brasil, síndicos profissionais e moradores têm enfrentado situações extremas de ameaças, perseguições e até violência física ao exercerem sua função na administração de condomínios.
Os casos relatados com exclusividade ao SíndicoNet revelam um submundo liderado por grupos de condôminos de oposição e antigos gestores com interesses escusos, cartéis estabelecidos e resistência ferrenha a mudanças propostas por novos síndicos que visam a combater corrupção em condomínio, trazer transparência e compliance à gestão condominial.
As histórias de Társia Quilião e Domichelica Armentano ilustram como síndicos ameaçados podem ter sua integridade física, psicológica e profissional comprometidas ao tentarem cumprir seu papel de zelar pelo patrimônio coletivo e pelo bem-estar da comunidade condominial.
Além dos depoimentos das síndicas profissionais, a reportagem também entrevistou condôminos que compartilharam seus pontos de vista e advogados que apresentaram medidas legais para proteger não apenas o síndico, mas a gestão condominial e a coletividade como um todo.
E os moradores têm papel crucial na construção de um ambiente saudável, harmonioso e transparente ao serem participativos exercendo seu papel com responsabilidade. Confira!
Com uma recorrência muito maior do que se espera, são noticiados casos de corrupção; formação de cartéis; síndicos, conselho e administradoras que "limpam" o caixa dos condomínios, somem do mapa e deixam como rastro o condomínio quebrado e moradores desesperados.
E também não é raro situações de condôminos que se unem para derrubar gestões desonestas, mas o processo desencadeia consequências que afetam a integridade (na forma mais ampla da palavra) do novo síndico - como os casos que você vai ler a seguir.
Um cartel condominial é uma prática ilegal e anticoncorrencial que ocorre quando fornecedores, prestadores de serviços ou até mesmo grupos internos de moradores em um condomínio se organizam para manipular preços, condições contratuais ou limitar a concorrência entre empresas que desejam atuar no local.
Esse tipo de esquema prejudica a livre concorrência, gera superfaturamento de contratos e prejudica profundamente os moradores, em diversos aspectos, inclusive o financeiro.
No contexto da gestão condominial, o cartel pode se manifestar de várias formas, como:
Essa prática é prejudicial porque limita o acesso a melhores serviços e preços mais competitivos, além de criar um ambiente propício à corrupção.
No Brasil, o cartel é considerado crime contra a ordem econômica pela Lei nº 8.137/90 e pela Lei nº 12.529/11, com penas que incluem reclusão e multas pesadas.
Em condomínios, identificar e combater cartéis exige auditorias regulares, transparência na gestão e participação ativa dos moradores nas decisões administrativas.
Társia Quilião, advogada e síndica profissional, vive uma situação extrema desde março de 2024, quando foi eleita para administrar um dos maiores condomínios horizontais do Sul do país, com 1.274 casas e aproximadamente 5 mil moradores, número que no verão sobe para 9 mil.
Sua chegada ao cargo já veio marcada por um alerta: a síndica anterior, que ocupou um mandato tampão de cerca de quatro meses após a destituição do síndico por falta de prestação de contas, não quis concorrer ao cargo por ter sofrido ameaças de morte.
Logo ao assumir, Társia começou a desvendar um esquema de corrupção profundamente enraizado na gestão do condomínio.
"Uma fornecedora relatou que um integrante da oposição cobrava porcentagem sobre o valor pago. Uma grande empresa de telefonia nunca conseguiu entrar com serviço lá porque cobravam propina", relata Társia.
Esta estrutura, que ela identifica como um cartel condominial, mantinha-se através de contratos superfaturados e pagamentos de propina.
Decidida a trazer transparência à gestão, Társia implementou uma série de medidas de compliance:
"Antes era só feita uma Assembleia Geral Ordinária por ano. Em menos de 10 meses, ela chamou várias assembleias para trazer questões e informações aos moradores", destaca Juliana Flores, advogada e moradora do condomínio.
Estas iniciativas, porém, despertaram forte reação dos grupos que se beneficiavam do esquema anterior, que vem trabalhado contra por meio de sabotagens físicas nas instalações do condomínio e disseminação de desinformação.
"Começaram a colocar coisas dentro da piscina, a quebrar equipamentos, portões parando de funcionar do nada", enumera.
Concomitante a isso, áudios diários no WhatsApp em grupos com moradores distorciam e questionavam o trabalho dela com base nos estragos fruto das sabotagens.
Os ataques escalaram rapidamente para ameaças diretas. "Uma pessoa me deu um recado pessoalmente: 'sabe o bilhete que a outra síndica recebeu? Espera que você também vai receber. Se você não renunciar ou não for destituída, eu vou destruir a sua carreira, vou acabar com a sua vida'. Era uma ameaça de morte", relata Társia.
Diante da gravidade das ameaças, Társia recorreu ao Ministério Público, que deferiu uma medida cautelar determinando que a acusada se mantivesse a pelo menos 300 metros de distância, com possibilidade de prisão preventiva em caso de descumprimento, além de proibir menções ao nome de Tarsia em redes sociais.
As experiências traumáticas vividas por síndicos ameaçados contam com mais vítimas. Domichelica Armentano, também síndica profissional, relata situações similares em diversos condomínios onde atuou.
Em um deles, após ser eleita, começou a investigar as contas e descobriu graves irregularidades financeiras.
"Neste condomínio, fizeram um rateio de R$ 360 mil para reformar elevadores. Os moradores pagaram e, depois de dois anos, quando eu entrei, nenhuma reforma havia acontecido, apenas perfumaria", relata Domichelica.
Ela também descobriu que o condomínio havia comprado um apartamento em leilão e depois o vendeu, mas o dinheiro da venda não constava nas contas.
Ao tentar apresentar essas descobertas em assembleia, Domichelica enfrentou forte resistência.
"O conselho não queria que eu falasse, fizeram 'escarcéu' na assembleia, não consegui apresentar a prestação de contas", comenta.
Os opositores passaram a incitar os funcionários contra ela, alegando falsamente que ela pretendia demiti-los, quando na verdade seu plano era terceirizar os serviços absorvendo os próprios funcionários com redistribuição das funções, com o intuito de eliminar o passivo trabalhista.
A situação chegou a um ponto crítico quando Domichelica e sua assistente começaram a ser intimidadas fisicamente.
"Minha assistente, grávida na época, era ameaçada toda vez que ia lá, e o subsíndico a perseguia: 'você vai sofrer as consequências de estar aqui'", relembra.
Em uma assembleia tumultuada, até mesmo os porteiros participaram das intimidações, ficando na janela do salão e falando impropérios contra a síndica.
Em outro condomínio onde atuou, Domichelica enfrentou uma ameaça ainda mais explícita. Ela implementou regras para impedir um esquema de estelionato operado por um morador inquilino que recebia cartões de benefícios e fazia compras de produtos em nome de terceiros e mandava entregar no condomínio, que recebia, protocolova e poderia ser configurado como cúmplice.
As novas regras consistiam que apenas encomendas em nome de moradores poderiam ser recebidas pelos funcionários - e isso acabou com o esquema e ela foi confrontada diretamente.
"Um dia ele entrou na sala da administração onde eu estava, colocou uma arma na mesa e disse que era para eu ir embora porque estava acabando com os negócios dele". Embora tenha relutado por um tempo e tentado alertar o proprietário, os próprios moradores a orientaram a renunciar porque, além do esquema de estelionato, ele também agredia a esposa.
Tempos depois ela soube que ele foi preso dentro do apartamento e a esposa, por fim, acabou entregando o imóvel.
São diversas as razões que culminam em um cenário de ameaças, violência e outros crimes cometidos contra os síndicos, tais como interesses financeiros, desinformação e resquícios da pandemia.
Os casos relatados revelam um padrão preocupante: síndicos ameaçados frequentemente estão enfrentando esquemas estabelecidos de corrupção e desvio de recursos.
No condomínio onde Társia Quilião atua havia um histórico de contratos superfaturados e pagamentos de propina. Domichelica descobriu rateios cobrados por obras nunca realizadas e compras de materiais que não chegavam ao condomínio.
Felipe Souto, um dos primeiros moradores do condomínio, há mais de 15 anos, onde Társia é síndica, explica que existe um grupo que se mantém no poder há anos.
"Esse grupo ficou no poder por 4 anos. Houve um intervalo de 2 anos com um síndico honesto que não foi reeleito porque o grupo opositor se mobilizou para não reelegê-lo. Depois voltaram por mais 4 anos, e vão se revezando nos cargos".
Este ciclo de poder foi garantindo a continuidade dos esquemas ilícitos. O condomínio é de grande magnitude:
A arrecadação mensal é de R$ 400 mil. "É tudo muito grande aqui. Só o contrato mensal de jardinagem é de R$ 80 mil", diz Souto.
Por isso, a resistência à mudança é feroz porque os interesses financeiros são significativos.
Como destaca Domichelica: "Uma das dificuldades de ter prestadores de serviço bons é a fama de rachadinha dos contratos desses condomínios. Todos pediam o 'faz me rir'", diz ela, referindo-se a propinas exigidas para aprovação de contratos.
Um elemento crucial que potencializa as ameaças contra síndicos é o uso inadequado de grupos de WhatsApp para disseminar desinformação. Felipe Souto identifica este como um problema central.
"As relações são muito beligerantes, não é mais algo comunitário. Surgem grupos de moradores onde há muita desinformação. Os tais 'leões de WhatsApp': pessoas que são explosivas e que contaminam os demais com visão negativa".
Marli Tenório, moradora do mesmo condomínio, corrobora esta visão: "Nos grupos de WhatsApp era uma coisa efervescente. Eram deles que surgiam as cobranças com fundamento, mas mal-intencionadas. Nunca vi essas pessoas com tanto 'interesse' e com tanto ódio se manifestando".
A síndica Társia inicialmente optou por uma comunicação formal através de canais oficiais, como e-mail e portal do condomínio, evitando os grupos de WhatsApp. Esta escolha, embora profissional, acabou criando um vácuo de informação que foi preenchido pelos opositores.
"O grande problema é que as pessoas não leem as comunicações oficiais, não procuram o síndico para esclarecimento. É preciso haver uma comunicação que chegue nas pessoas, e o WhatsApp é muito mais rápido e tem a adesão das pessoas", explica Felipe.
Társia percebeu a necessidade de adaptar sua estratégia de comunicação e criou um grupo oficial no WhatsApp para divulgar informações oficiais da gestão.
"Ela decidiu criar um grupo silenciado, porque o WhatsApp é ágil, informa na hora. Conseguiu complementar a comunicação e tem mandado muitos comunicados ao longo do dia", relata Marli.
Embora já tenham se passado mais de cinco anos da pandemia de COVID-19, os seus efeitos ainda são sentidos e exacerbou as tensões nos condomínios.
Inclusive, de acordo com Felipe Souto, foi justamente a pandemia a desculpa usada em seu condomínio para não realizar assembleia geral ordinária (AGO), onde é feita a prestação de contas e aprovação de previsão orçamentária, por um ano e meio.
O pretexto era que não seria possível fazer virtual - sendo que houve até uma lei federal específica que autorizava a realização de assembleia neste formato devido à crise sanitária.
"Este período sem discussões coletivas e prestações de contas regulares criou um terreno fértil para desconfianças e ressentimentos", comenta Souto.
Marli Tenório também identifica um aumento na hostilidade após a pandemia: "Já tivemos duas destituições ao longo dos anos com chamada de Assembleia Geral Extraordinária com edital, mas acho bastante temerário quando se usa desse instrumento às vezes com outros propósitos".
O advogado e colunista do SíndicoNet André Junqueira contextualiza este fenômeno como parte de um problema social mais amplo.
"No mundo civilizado, não se precisaria de advogado para isso, na verdade, nem se precisaria de advogado. Mas, infelizmente, a nossa sociedade tem muitos problemas. E o que nós vemos hoje em dia com os conflitos dentro do condomínio e muitas violências contra o síndico, são efeitos dessa sociedade problemática".
O ambiente de trabalho hostil e as constantes ameaças geram um clima de medo que afeta o desempenho profissional e traz consequências para o âmbito pessoal dos síndicos vítimas desse tipo de situação.
As ameaças têm um impacto profundo na saúde mental dos síndicos. Társia Quilião relata que ouvir os áudios dos opositores contra ela estavam minando sua própria autoavaliação.
A preocupação com a segurança pessoal é constante. Após receber ameaças de morte, Társia chegou a se inscreveu em aulas de tiro.
Domichelica, por sua vez, estabeleceu critérios claros para quando deve renunciar. "Com o crescimento da minha carteira de condomínios, já não atendo mais sozinha e conto com colaboradores em visitas, e prezo pela segurança e saúde deles. Agressão física ou ameaça de morte são limites".
Além da integridade física, síndicos ameaçados frequentemente enfrentam ataques à sua reputação profissional. Társia menciona que este foi um dos pontos críticos: a iminente difamação.
Domichelica também relata ameaças similares, de opositores insinuando postar críticas no Reclame Aqui. Embora ela considere que plataformas de reclamação não sejam parâmetros confiáveis, reconhece o impacto que essas ações podem ter na carreira de síndicos profissionais, especialmente aqueles que administram poucos condomínios.
As ameaças contra síndicos frequentemente se estendem para suas equipes, como a situação relatada anteriormente por Domichelica Armentano a respeito de sua assistente grávida ameaçada por um subsíndico.
Esta extensão das ameaças aos colaboradores cria uma pressão adicional sobre os síndicos, que são responsáveis pela segurança de suas equipes.
Como afirma Domichelica: "Prezo não só pela segurança, mas pela saúde dos meus colaboradores. Não coloco em risco o meu time operacional".
O advogado André Junqueira, especialista na área, oferece orientações valiosas para síndicos ameaçados. Segundo ele, a primeira medida é garantir uma proteção coletiva.
"Proteção coletiva é o síndico estar sempre com uma equipe, a administradora e o jurídico. Sempre que ele está em equipe, é melhor para impedir comportamentos agressivos contra ele. A união, literalmente, faz a força".
Segundo Junqueira, o fato do síndico atuar em conjunto e estar acompanhado já inibe comportamentos.
"E aí, quando ele é vítima desses comportamentos, é exatamente esse grupo que ele tem que acionar. Principalmente o jurídico, para agir com impessoalidade, imparcialidade, mas também com assertividade e energia. Tudo dentro da lei, para deixar bem claro que nenhum comportamento inadequado, antissocial como esse, vai sair impune."
Quando já ocorreu algum tipo de ameaça ou agressão, Junqueira recomenda ações imediatas:
Advertência por escrito, dependendo do caso, já aplicando multa com base na convenção ou convocando uma assembleia específica para julgamento dessa ameaça, desse ato antissocial se foi praticado por um morador.
Além disso, é fundamental registrar boletim de ocorrência para se iniciar um procedimento criminal de investigação e punição do responsável.
O advogado também orienta a partir para:
Em casos de boatos e calúnias em grupos de WhatsApp, Junqueira aconselha identificar quem foi o autor e notificar imediatamente para que preste esclarecimento sobre o que foi feito.
Ele alerta para um perigo de se estar relevando muito determinadas palavras dentro da ideia de que o condomínio pode "criticar, pode reclamar" em um superdimensionamento da liberdade de expressão. "Mas existem limites, e os limites devem ser impostos imediatamente."
"Cada vez mais vemos decisões condenando pessoas pelo que se fala no WhatsApp. Muitos têm uma sensação de muita tranquilidade de falar alguns absurdos no WhatsApp. Inclusive em grupos em que a vítima não faz parte. Se, de alguma forma, há uma testemunha, há uma prova de que isso foi feito, mesmo a vítima não estando no grupo, também cabe. Indenização por danos morais e, em muitos casos, configuração de crime contra a honra do síndico", explica.
Um ponto enfatizado tanto pelo advogado quanto pelas síndicas entrevistadas é a necessidade de um forte apoio jurídico.
André Junqueira destaca que deve haver um jurídico forte nas duas pontas: tanto do condomínio, como um próprio do síndico profissional.
"A diferença do jurídico do condomínio para o jurídico do síndico é que o do condomínio não tem o objetivo principal de defender o síndico. Ele tem que defender o interesse comum, o condomínio. E isso é bom, porque os pareceres que o jurídico dá são vistos com mais imparcialidade", explica.
Por outro lado, a vantagem do jurídico próprio do síndico é que o advogado que defendê-lo não vai ter as amarras naturais sendo advogado do condomínio e pode ser muito mais intenso na defesa desse síndico. "E aí, tomando as medidas que só precisa de uma autorização: do próprio síndico. E não autorização do conselho, convenção ou assembleia, conforme o caso", exemplifica Junqueira.
Este apoio jurídico serve tanto para orientações preventivas quanto para ações efetivas quando necessário. Como no caso de Társia, que conseguiu uma medida cautelar contra a pessoa opositora através do Ministério Público, e Domichelica, que move ações judiciais contra condôminos que a ameaçaram.
O advogado André Junqueira recomenda algumas medidas preventivas:
1. Tenha cautela e espere atos antissociais de qualquer pessoa. "Não se conhece ninguém verdadeiramente. Por isso, você tem que estar preparado para receber um ataque a qualquer momento. Isso significa que, no momento que isso acontecer, você não vai se surpreender tanto e vai evitar que reaja de forma a perder a razão."
2. Tenha um advogado sempre presente em assembleias. Com isso, reduz-se signficativamente a chance da reunião ter problemas. "O advogado ali presente pelo condomínio ou até pelo próprio síndico já impõe um certo rigor. As pessoas não ficam tão à vontade para fazer determinados comentários inadequados, grosseiros ou até criminosos."
3. Grave reuniões e assembleias: em vídeo e, se possível, com áudio, com ciência dos participantes. "Estes registros não apenas previnem comportamentos inadequados, como também fornecem provas caso ocorram incidentes."
Junqueira esclarece que, por questões de segurança, a Lei Geral de Proteção de Dados justifica, sim, que essa vigilância ocorra. "A vigilância ostensiva ajuda a evitar problemas e, caso não evite, na obtenção de provas, evitando provas testemunhais ou restringindo a necessidade de provas testemunhais, onde o vídeo já comprova o delito."
Domichelica Armentano relata que sua assistente filmava o subsíndico durante as visitas, o que gerou provas para ação criminal e de assédio moral. Da mesma forma, Társia Quilião mencionou que moradores encaminhavam para ela os áudios enviados no WhatsApp com ameaças, que foram utilizados como prova para obter a medida cautelar.
André Junqueira esclarece que os crimes mais comuns nestes casos em condomínios, contra síndicos, são:
Társia Quilião conseguiu que o Ministério Público reconhecesse a materialidade das ameaças através dos áudios que recebeu, resultando na Medida Cautelar de afastamento que impede a pessoa suspeita de se aproximar e falar sobre ela.
Além das ameaças, a advogada Juliana Flores Lourenço informa que foram caracterizados outros crimes contra a síndica: assédio moral, crimes de honra, denunciação caluniosa e perseguição.
Domichelica Armentano, por sua vez, registrou boletins de ocorrência e move ações criminais contra os responsáveis pelas ameaças, danos morais, perseguição e assédio moral, com evidências de comportamentos agressivos e embriaguez.
Os moradores têm um papel essencial para impedir que esse tipo de situação se instale em seus condomínios. Isso começa com interesse e participação ativa na coletividade com atitudes e comportamentos construtivos.
E o ponto de partida é buscar informação em fontes oficiais da gestão - e ter extrema cautela com desinformação, insinuações e comentários distorcidos por pessoas mau intencionadas, geralmente em grupos de WhatsApp, que buscam inflamar os ânimos com textos bem estruturados com o intuito de manipular a massa condominial.
Marli Tenório, condômina de Társia Quilião, destaca a importância de os moradores combaterem ativamente a desinformação, algo que se espalhou com rapidez no empreendimento onde mora.
"Sempre que alguém lançava algo errado no grupo de WhatsApp, e eu tinha a informação correta, colocava meu ponto de vista e esclarecia aquilo de forma que a desinformação pudesse se dissipar. Quantas vezes levantei para defender ou desmascarar fatos, seja do lado da gestão, seja do lado do morador. A verdade tem que ser dita".
O vizinho Felipe Souto concorda e adiciona que é necessário verificar as informações diretamente na fonte.
"Os grupos de WhatsApp são muito ágeis na construção de narrativas que chegam a fake news e a gestão precisa correr na mesma velocidade".
Ambos os moradores destacam como a participação ativa nas assembleias é fundamental para evitar que síndicos sejam injustamente ameaçados.
As assembleias são reuniões oficiais que deveriam contar com o engajamento dos condôminos, afinal este é o local correto para se debater e deliberar questões relacionadas à gestão, mas que perdem espaço para a "guerra de teclado" no WhatsApp.
"As pessoas não vão à assembleia, mas leem tudo que está no grupo de WhatsApp. E embora as mensagens se baseiem em fatos, muitos os distorcem", comenta Felipe Souto
E foi justamente em uma assembleia convocada por Társia que houve esclarecimento de diversos pontos levantados pela oposição, que articulava um abaixo-assinado dizendo que era para convocar uma assembleia de esclarecimentos, quando na verdade era para destituir a síndica - as pessoas assinavam sem saber a real intenção do documento porque não liam tudo. De acordo com Felipe, esta assembleia foi crucial.
"Foi o momento para ela falar tudo o que os moradores tinham dúvidas e, esclarecidos estes pontos, as pessoas quiseram levantar outras questões. Esta transparência ajudou a neutralizar parte das críticas infundadas", comenta.
André Junqueira enfatiza que todos os moradores devem combater a violência dentro dos condomínios, independentemente de suas visões políticas.
"Quando um síndico é atacado, mesmo que ele seja sua oposição, mesmo que você seja oposição a ele, você deve protegê-lo, porque violência não deve ser aceita a ninguém. O síndico, se verificar que o morador que o critica está sendo atacado pelos outros, ele deve proteger esse morador. A violência deve ser expurgada do condomínio como se fosse o maior mal, mais do que a inadimplência, mais do que problemas financeiros, mais do que qualquer outra coisa", afirma Junqueira.
Marli Tenório concorda, destacando que as divergências devem ser tratadas dentro dos canais apropriados.
"O nosso direito, como condôminos, é cobrar aquilo que não está adequado no âmbito do condomínio. As pessoas precisam se conscientizar e refletir sobre a forma como nos tratamos e convivemos em ambientes coletivos."
Junqueira complementa: "Nós temos que fazer com que a sociedade, e principalmente os condomínios, sejam locais seguros para se viver, para se debater assuntos, para se empreender, dependendo da destinação, e, enfim, viver em paz."
Os casos relatados mostram como as ameaças a síndicos podem comprometer a transparência e as práticas de compliance.
Társia Quilião, por exemplo, implementou uma série de medidas para melhorar a gestão dentro do escopo do seu trabalho fundamentado em compliance, e foi um dos pontos decisivos.
Dentro de sua metodologia de compliance, estão a comunicação e a publicidade de todos os atos, com relatório diários das atividades a todos os moradores. Ela também implementou reuniões batizadas de "Café com a síndica", com o intuito de estabelecer diálogo, onde os moradores podem ir para conversar, esclarecer dúvidas, apresentar sugestões etc.
No entanto, estas iniciativas enfrentam resistência justamente daqueles que se beneficiavam da falta de transparência anterior.
Um aspecto importante da gestão condominial que frequentemente gera ameaças é a revisão e renovação de contratos.
Társia relata que a revisão de contratos e a troca de fornecedores vem contribuindo para acabar com a corrupção e isso vem revertendo, mês a mês, em benefícios para o condomínio. No entanto, este processo gerou forte oposição daqueles que lucravam com os contratos anteriores.
Domichelica Armentano enfrentou situação similar quando tentou resolver problemas de gestão através da terceirização em um dos condomínios.
"O passivo trabalhista era gigantesco, tinha um funcionário afastado há mais de dois anos. Os colaboradores eram sujeitos à jornadas extenuantes em um condomínio muito grande".
E sua proposta de terceirização, que beneficiaria tanto o condomínio quanto os próprios funcionários, foi distorcida pelos opositores que diziam que o intuito dela era demitir indiscriminadamente.
Síndicos ameaçados frequentemente enfrentam o dilema entre renunciar ao cargo para proteger sua segurança ou resistir às pressões.
Domichelica Armentano estabelece critérios claros para sua decisão: agressão física ou ameaças, tanto a ela quanto aos seus funcionários. Como relatado nesta reportagem, ela recebeu ameaça de morte em um condomínio onde ficou dois anos. Em alguns casos, ela optou por renunciar para proteger sua equipe.
"Quando comecei a atuar como síndica profissional, como qualquer um, quando acontecia de ter oposição, ficava abalada. Com o tempo, passei a entender que a minha gestão não era ruim, mas que há moradores problemáticos, muitos casos de saúde mental. Se começam a enviar mensagens com grosseria e desrespeito, eu não respondo e não me abalo mais."
Na sua experiência prática, há um público muito jovem morando sozinho em apartamento pela primeira vez.
"Há um despreparo para morar coletivamente, falta entendimento e respeito às regras básicas. Já tentei palestra de conscientização para quem está morando pela primeira vez em condomínio, até surtiu um pouco de resultado, mas há muito desinteresse. Esse tipo de conscienização precisa ser feito na Assembleia de Instalação".
Társia Quilião, mesmo diante das ameaças, decidiu permanecer no cargo e buscar proteção legal. Ela conta com o apoio de muitos moradores, que vem crescendo, como observa Marli:
"Ela conquistou as pessoas. É um condomínio grande, de magnitude, muitas coisas estavam paradas, questões sérias de reformas, que estão sendo resolvidas."
Uma lição importante que emerge dos casos é a necessidade de adaptar a comunicação à que atinge os moradores.
Felipe Souto observa que a comunicação formal, concentrada em e-mails e no portal, criou um "terreno fértil para que os exageros acontecessem nos grupos de WhatsApp. Quando Társia percebeu isso e começou a se comunicar com grupo oficial, passou a se equiparar na 'guerra da informação', e a situação começou a melhorar."
Esta adaptação ajudou a neutralizar parte da desinformação.
"O condomínio é um lugar muito heterogêneo, com perfis distintos e pessoas com problemas de saúde mental. O síndico tem que estar sempre um passo a frente na comunicação, que deve ser simples, direta, objetiva, compreensiva ao morador e não como se fosse uma 'petição'", diz Felipe.
Ele é entusiasta da comunicação por vídeos. "Vídeos de 1 minuto ajudam, porque hoje as pessoas têm preguiça de ler, não leem tudo, e o vídeo cria conexão e empatia com pessoas e o impacto é muito maior. É uma grande arma para desinformação porque tira o palco da pessoa que quer 'causar'”, opina.
Domichelica também relata que em um dos condomínios havia grupo de whatsapp só para falar mal dela, com desinformação e até mesmo vídeos gravados por um dos moradores criticando-a. Tudo isso serviu de provas para a ação de danos morais movida por ela contra esses moradores.
"Em todos os condomínios em que atuo, eu crio um grupo de comunicados oficiais. Os condôminos ficam confusos e eu os oriento que o meu grupo é o oficial, que nele que estão as informações corretas.”
Domichelica enfatiza a importância de estabelecer limites claros: "Síndico não pode permitir que morador 'domine'. Ele tem que ser firme e ser autoridade e se comportar como tal. Eu fui contratada para colocar ordem no condomínio".
Esta postura firme, combinada com a proteção legal adequada, pode dissuadir comportamentos abusivos.
O advogado André Junqueira reforça esta abordagem, como contar com assessoria jurídica e a presença de um advogado em momentos importantes, como nas assembleias.
Esses casos de síndicos ameaçados revelam um lado desafiador da administração condominial no Brasil, onde a busca por transparência e conformidade muitas vezes vai ao encontro de interesses escusos e estruturas de poder estabelecidas.
As experiências de Társia Quilião e Domichelica Armentano demonstram como esses profissionais podem enfrentar desde calúnias em grupos de WhatsApp até ameaças diretas à sua integridade física quando tentam implementar mudanças necessárias.
A proteção de síndicos exige uma combinação de medidas legais adequadas, comunicação eficaz, apoio dos moradores conscientes e uma postura firme contra qualquer forma de intimidação - elementos essenciais para garantir não apenas a segurança dos síndicos, mas também uma gestão condominial transparente e eficiente que beneficie toda a comunidade.
Fontes consultadas: André Junqueira (advogado), Domichelica Armentano (síndica profissional), Felipe Souto (comerciante), Juliana Flores Lourenço (advogada), Marli Tenório (aposentada), Társia Quilião (síndica profissional).