24/04/25 04:02 - Atualizado há 29 dias
Assim como o "juridiquês" dos advogados, o linguajar próprio da manutenção predial costuma dar um verdadeiro "nó na cabeça" de síndicos iniciantes − mas nem os mais experientes estão isentos de confusões, especialmente com relação a três termos que os acompanham desde o início do mandato: inspeção predial, vistoria e perícia.
Muitas vezes tratados como sinônimos, os procedimentos têm objetivos e aplicações diferentes. Dessa forma, entender o conceito de cada um é importante para evitar constatações equivocadas no condomínio.
Para responder as principais dúvidas sobre esses serviços, o SíndicoNet entrevistou os engenheiros civis Ricardo Gonçalves e Renato Seara, que também é síndico em dois empreendimentos, além da diretoria do IBAPE (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia). Leia o conteúdo na íntegra ou navegue pelo índice abaixo!
"A inspeção predial, conforme a Norma ABNT NBR 16.747:2020, é o processo de avaliação das condições técnicas, de uso, operação, manutenção e funcionalidade da edificação e de seus sistemas e subsistemas construtivos, de forma sistêmica e predominantemente sensorial, considerando os requisitos dos usuários", explica a diretoria do IBAPE.
Logo, a intenção dessa análise é permitir um acompanhamento do comportamento da edificação ao longo de sua vida útil, assegurando as condições mínimas necessárias de segurança, habitabilidade e durabilidade.
Apesar de não impor prazos fixos, a NBR 16.747 recomenda que o serviço seja executado em intervalos com base na idade, uso, complexidade e estado de conservação da edificação. Veja a tabela abaixo:
Idade da edificação | Periodicidade recomendada |
---|---|
Até 10 anos | A cada 5 anos |
Entre 11 e 20 anos | A cada 3 anos |
Acima de 20 anos | A cada 1 ou 2 anos |
Nos primeiros anos de vida da edificação, o síndico deve seguir o manual de manutenção da construtora. Após cinco anos, é recomendado contratar um profissional capacitado ou uma empresa especializada para realizar a primeira inspeção predial, visando a avaliação das condições do imóvel e a definição de um plano de manutenção.
Ricardo Gonçalves lembra, no entanto, que a inspeção predial não é suficiente em casos judiciais: "Quando o condomínio precisa documentar tecnicamente problemas em um sistema específico, visando verificar o cumprimento de normas ou apurar responsabilidades, é necessário contratar uma perícia técnica." (entenda a diferença mais abaixo no texto)
Para elucidar como funciona a inspeção em condomínios, Renato Seara compartilhou o roteiro que costuma seguir quando é contratado para prestar o serviço. Confira:
Cada um dos serviços envolvidos na gestão de manutenção predial tem seu momento ideal de aplicação e é fundamental que o síndico saiba reconhecer essas situações, como explica o episódio especial sobre inspeções da série Bússola do Síndico:
Conforme a diretoria do IBAPE, "a inspeção predial é uma avaliação preventiva das condições da edificação que serve como base para o plano de manutenção do condomínio. Já a perícia é uma investigação técnica com objetivo de constatar danos, apurar causas e possíveis responsáveis, tem caráter analítico e, muitas vezes, judicial."
Segundo a Norma ABNT NBR 13.752:2024, essa é uma atividade técnica realizada por profissional habilitado com base em critérios normativos em casos de problemas estruturais, vícios construtivos ou disputas contratuais, sendo essencial na verificação da conformidade de serviços em condomínios.
A vistoria, por sua vez, é mais ampla e pode ter diferentes finalidades: de entrada ou saída de inquilinos, recebimento de obra, sinistros, entre outras. Usada como instrumento de controle e organização da rotina predial, ela pode ser feita por zeladores e síndicos, sem necessariamente envolver um laudo técnico.
Também considerado uma espécie de perícia, esse serviço pode ter como objetivo a constatação de fatos, a análise comparativa de conformidade ou o desenvolvimento de método investigativo e analítico fundamentado que permita a apuração de causas e consequências de anomalias construtivas.
Como mencionado acima, as vistorias podem ser executadas por pessoas sem formação técnica, desde que não envolvam análises estruturais. Ainda assim, é recomendável que o profissional tenha um conhecimento básico sobre os sistemas da edificação.
Tanto a inspeção predial quanto a perícia exigem profissionais legalmente habilitados e registrados nos respectivos conselhos de classe.
É recomendável contar com uma equipe multidisciplinar no condomínio, que inclua ao menos um contato de confiança para cada sistema da edificação, especialmente em casos emergenciais.
Na tabela abaixo, reunimos alguns exemplos fornecidos pela diretoria do IBAPE para orientar o síndico sobre as competências de cada área da engenharia e arquitetura:
Profissional indicado | Inspeção predial | Perícia técnica |
---|---|---|
Engenheiro civil ou arquiteto | Elementos da edificação como estrutura, alvenaria, fundações, revestimentos, acessibilidade, entre outros | Manifestações patológicas na edificação |
Engenheiro eletricista | Instalações elétricas, equipamentos, materiais e máquinas elétricas; sistemas de medição e controle elétricos, entre outros | Falhas elétricas e de telefonia |
Engenheiro mecânico | Elevadores, máquinas; equipamentos mecânicos e eletro-mecânicos; sistemas de refrigeração e de ar condicionado; entre outros | Falhas em equipamentos mecânicos como bombas, elevadores, etc. |
Tais serviços devem ser acompanhados de ART (Anotação de Responsabilidade Técnica), no caso de engenheiros, ou do RRT (Registro de Responsabilidade Técnica), no caso de arquitetos, conforme estabelecido pelas normas do Sistema CONFEA/CREA (Conselhos Federal e Regional de Engenharia e Agronomia) e do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo).
Contratá-los sem essa garantia é um risco, pois desobriga o profissional da responsabilidade legal sobre eventuais falhas que venham a ocorrer.
Tanto a inspeção quanto a perícia resultam em um laudo. Esse documento é fundamental para respaldo jurídico do síndico e para o planejamento da manutenção.
"Em caso de problemas ou acidentes nas áreas comuns, ter laudos de inspeção predial e um plano de manutenção atualizado pode resguardar legalmente o síndico e o condomínio, demonstrando que houve responsabilidade e diligência na gestão predial", reforça a diretoria do IBAPE.
Além disso, "trata-se de um instrumento de gestão que permite a continuidade das ações, mesmo com trocas de síndicos ou administradoras", lembra Ricardo Gonçalves, daí a importância de manter um arquivo digital atualizado. (Saiba mais sobre a guarda de laudos técnicos abaixo)
Já no caso da perícia, o laudo contratado pelo condomínio tem como objetivo identificar o nexo causal e, por consequência, apontar o responsável pelo dano, servindo de base para instruir uma ação judicial, formalizar um acordo extrajudicial entre o condomínio e o causador do prejuízo ou ainda determinar intervenções corretivas.
No caso da inspeção predial, os requisitos e conteúdos mínimos estão descritos na Norma ABNT NBR 16.747:2020, que estabelece a estrutura do relatório, a metodologia, as classificações de desempenho e as recomendações voltadas ao plano de manutenção da edificação.
Segundo Renato Seara, um laudo técnico de inspeção predial deve ter, pelo menos, o seguinte conteúdo:
A Norma ABNT NBR 13.752:2024 define os itens obrigatórios de um laudo pericial de acordo com a espécie de perícia: Constatação, Análise Comparativa de Conformidade e Análise de Causalidade.
Já o artigo 473 do CPC (Código de Processo Civil) estabelece os requisitos formais de um laudo judicial, que devem incluir:
Com o avançar do processo de digitalização nos condomínios, o ideal é que os laudos sejam armazenados em nuvem, e-mails institucionais ou sistemas da administradora.
Esses arquivos pertencem ao condomínio e devem ser guardados por tempo indeterminado, garantindo a continuidade de ações nas gestões futuras e fornecendo respaldo em auditorias, fiscalizações ou processos judiciais.
Renato Seara recomenda uma revisão a cada dois anos, coincidindo com a passagem de bastão ou renovação do mandato. "Esse período é razoável para revisar o laudo e executar manutenções programadas. Em casos de prédios antigos ou com sistemas mais deteriorados, a periodicidade pode ser menor, com inspeções anuais", diz.
Durante uma ronda, o zelador de um condomínio entregue há cinco anos percebe marcas de umidade e mofo no teto da garagem, diretamente abaixo do jardim do térreo. Ele registra o ocorrido em fotos e relata ao síndico. Essa vistoria não gera um laudo técnico, mas serve como alerta para investigar o problema.
Diante da persistência da infiltração e do risco de danos maiores, o síndico contrata um engenheiro especializado para realizar uma inspeção predial.
O engenheiro avalia a origem da infiltração, verifica se há falhas no sistema de impermeabilização do jardim e inspeciona outras áreas do prédio com sinais semelhantes. Assim, ele emite um laudo técnico com o diagnóstico e recomendações para correção da impermeabilização e verificação de outros pontos críticos.
Após a inspeção, descobre-se que o problema decorre de uma falha de execução da impermeabilização feita pela construtora. O síndico, em nome do condomínio, decide acionar judicialmente a empresa responsável.
Para instruir o processo, é contratada uma perícia técnica. Um perito analisa toda a documentação, visita o local e realiza ensaios para confirmar que a infiltração decorre de vício construtivo. O laudo pericial identifica a origem, o impacto e atribui responsabilidade, servindo de base técnica para a ação judicial contra a construtora.
Por mais que o síndico não seja obrigado a decorar as diversas normas e leis que regem a manutenção de condomínios, conhecer seu teor pode ser de grande valia para não cair em ciladas e cumprir suas obrigações enquanto representante da coletividade.
Pensando nisso, o SíndicoNet listou as principais normas ABNT que o gestor precisa conhecer. São elas:
A obrigatoriedade de inspeções prediais também tem ganhado força em diversas regiões do país, com leis e decretos que buscam garantir a segurança das edificações por meio de vistorias periódicas e emissão de laudos técnicos. Separamos algumas delas para você se atualizar:
No Rio de Janeiro, a Lei Complementar Municipal nº 126/2013, criada após o desabamento do Edifício Liberdade, tornou obrigatória a inspeção predial periódica na capital fluminense.
A norma foi complementada pela Lei Estadual nº 6.400/2013, que determina a realização de autovistoria por condomínios, proprietários e poder público, abrangendo também a elaboração de um Laudo Técnico de Vistoria Predial (LTVP).
Em São Paulo, algumas cidades já possuem legislação específica sobre o tema:
Na capital gaúcha, Porto Alegre, o Decreto nº 18.574/2014 exige a apresentação do Laudo Técnico de Inspeção Predial (LTIP), elaborado por profissional com registro no CREA-RS ou CAU-RS.
Balneário Camboriú (SC), que abriga alguns dos maiores arranha-céus do país, conta com a Lei nº 2.805/2008, que exige vistorias periódicas registradas em parecer técnico.
No Pará, está em vigor a Lei Estadual nº 10.424/2024, que prevê a realização periódica de vistorias em edificações, com foco na prevenção de riscos estruturais e segurança dos ocupantes.
Em Porto Velho (RO), a Lei Complementar nº 764/2019 estabelece a obrigatoriedade de inspeções periódicas nas edificações e a criação do Laudo de Inspeção Predial (LIP).
Na capital cearense, Fortaleza, está em vigor desde 2012 a Lei nº 9.913, que regulamenta a emissão do Certificado de Inspeção Predial pela prefeitura.
Em Salvador (BA), a Lei nº 5.907/2011 orienta os procedimentos relacionados à inspeção predial na cidade, exigindo vistorias técnicas periódicas e apresentação de Laudo de Inspeção Técnica à prefeitura soteropolitana.
Já no estado de Pernambuco, a Lei Estadual nº 13.032/2006 trata da obrigatoriedade de inspeções em edificações, reforçando a importância da manutenção preventiva.
Como era de se esperar, o Distrito Federal serve de exemplo para todo o país, com legislação específica sobre inspeções. Por lá, as regras são definidas pelo Código de Obras e Edificações (Lei nº 6.138/2018).
Campo Grande (MS) também possui um regime de autovistoria periódica para edificações no município, criado pela Lei Complementar (LC) nº 230/2014.
Por fim, em Cuiabá (MT), a Lei nº 5.587/2012 regulamenta a realização de inspeções periódicas e estabelece o uso do Laudo de Inspeção Predial (LIP) como instrumento oficial da fiscalização.
Desde o início da gestão, o síndico precisa estar atento às necessidades do condomínio, realizando todas as etapas da manutenção com acurácia. Como bem resume Ricardo Gonçalves, "a inspeção atua para prevenir; a perícia, para remediar; e a vistoria, para monitorar."
Assim, a inspeção pode ser comparada a um "raio-X" do prédio, enquanto a perícia investiga uma patologia específica em casos mais extremos que envolvam a responsabilização por problemas na infraestrutura. Ambas devem ser realizadas por profissionais habilitados, com emissão de ART ou RRT, a depender do serviço prestado.
A vistoria, por sua vez, trata de checagens rotineiras que fazem parte das atribuições do síndico e do zelador. Independente do serviço executado, o síndico deve seguir cinco orientações essenciais para evitar dores de cabeça:
Agora que você já sabe a diferença entre inspeção, vistoria e perícia em condomínios, confira nosso conteúdo sobre as principais demandas do síndico, mês a mês, na manutenção predial.
Fontes consultadas: IBAPE (Instituto Brasileiro de Avaiações e Perícias de Engenharia); Renato Seara (síndico e engenheiro civil especialista em Inspeção Predial e Laudos Periciais); Ricardo Gonçalves (engenheiro civil e CEO da CondoTechne Solutions).