Barulho no condomínio

Barulhos misteriosos no condomínio? Pode ser golpe de aríete

Pouco conhecido pelos leigos, o golpe de aríete pode ocorrer em muitos condomínios. Saiba o que é e como resolver esse problema que tira o sono de moradores e síndicos

Por Inês Pereira

08/05/25 05:07 - Atualizado há 3 dias


Uma das dores de cabeça recorrentes na gestão de condomínios se refere ao barulho. Todo síndico vai concordar. No top 10 das reclamações, invariavelmente esta ocupa as primeiras posições.

Vizinhos se desentendem por conta de barulho e, a depender do grau de tolerância e dos decibeis, pode até virar caso de polícia - a lei pune, inclusive, o que classifica como ‘perturbação do sossego alheio’, previsto no  artigo 42 do Decreto-Lei Nº 3.688/41.

A lista de barulhos é grande e vai de música alta, festas, obras fora do horário, móveis arrastados durante a noite até brigas e latidos de cães. Mas nem sempre o motivo é fácil de reconhecer e ganha até ares de mistério. Foi o que aconteceu no condomínio onde o engenheiro civil Flávio Martins mora, e é subsíndico.   

Dois moradores acusavam outros vizinhos de provocar sons de batidas, como socos na parede, durante a madrugada. Ninguém assumia a autoria do barulho que só se percebia naquele andar, e isso gerou reclamações e conflitos. 

A situação se arrastou por várias semanas e tirou o sono, não só dos vizinhos, mas também do síndico e do subsíndico. Depois de uma varredura nas possibilidades mais prováveis como portas de incêndio que poderiam bater com o vento, bomba da piscina da cobertura, portas ou objetos batendo e o movimento de quando ligam o bombeamento para a caixa d´água, finalmente o mistério foi solucionado.

Eles nem precisaram chamar um caça-fantasmas. Com o laudo bem executado de um perito, a causa apontada foi golpe de aríete

O fenômeno é mais comum do que se supõe e pode ocorrer em muitos condomínios. As consequências vão além do transtorno causado pelo barulho; por isso, vale a pena conhecer a raiz do problema, e como proteger o condomínio. 

O que é golpe de aríete

O termo golpe de aríete pode soar complicado aos ouvidos de muitos, mas a explicação é simples. Nada mais é do que um fenômeno hidráulico que ocorre nas tubulações de edifícios, quando há uma mudança brusca na velocidade da água — geralmente, quando uma válvula ou torneira é fechada repentinamente, ou uma bomba é acionada e gera uma pressão rápida e elevada para bombear a água para o reservatório superior.

A interrupção súbita pode causar uma sobrepressão que gera ondas de choque, fazendo com que os canos vibrem e até emitam sons parecidos com batidas secas, estalos ou até ‘marteladas’. 

“Esse fenômeno gera ondas de pressão que percorrem as tubulações e podem provocar danos graves aos tubos e aos equipamentos hidráulicos conectados”, afirma o engenheiro Marcus Grossi.

Não por acaso, aríete era uma poderosa ferramenta de guerra que fazia estragos. Ela se utilizava de pesados troncos balançando por cordas para impactar e derrubar portões ou muros.

Por que o golpe de aríete ocorre?

Conforme o engenheiro Flavio Martins, o golpe de aríete pode estar relacionado com a idade ou mesmo com o projeto da edificação.

Em prédios mais antigos, é comum que as instalações hidráulicas não contem com dispositivos de alívio de pressão e absorção de impacto, como câmaras de ar ou válvulas quebra-golpe. Com o tempo, os suportes e fixações dos tubos nos shafts podem se soltar, aumentando o efeito do golpe.

Foi o que ocorreu no caso do condomínio de Flávio: uma tubulação da cobertura, sem o devido suporte, que também descia pelo shaft sem fixação correta, formava uma corrente de ar encanado. Quando o vento era forte, trepidava a tubulação, que vibrava e batia na parede do shaft e reverberava em alguns andares.

Embora não se limite a prédios antigos, eles podem ser mais vulneráveis devido à utilização de materiais menos resistentes, desgaste natural ao longo do tempo e, principalmente, pelo uso de sistemas com válvula de descarga em vez de caixas acopladas

Além disso, destaca Grossi, o dimensionamento para sobrepressões visando evitar o golpe de aríete só começou a ser previsto em normas técnicas a partir da década de 1980.

Assim, sistemas antigos frequentemente não possuem dispositivos modernos de proteção, como válvulas anti-golpe ou câmaras de ar, atualmente exigidos por normas técnicas, como a ABNT NBR 5626:2020.

Apesar de não ser tão conhecido, o golpe de aríete é mais comum do que se imagina - edifícios com muitos andares, pressão elevada e uso simultâneo de água em diversos pontos são um exemplo.

“Às vezes, os sons são pouco percebidos por não serem tão frequentes, então o efeito costuma ser subestimado até que comece a causar desconforto ou danos”, conta Martins. 

O fenômeno é relativamente comum em redes hidráulicas prediais, especialmente durante manobras de manutenção realizadas por equipes não treinadas. Erros de projeto e falhas na execução são causas menos frequentes, mas também possíveis.

Transtornos provocados pelo golpe de aríete: muito além do barulho 

O golpe de aríete pode gerar diversos transtornos e, frequentemente, resultam em altos custos de reparo e desconforto para os moradores. Os principais são:

Como detectar o golpe de aríete

O laudo técnico deve ser obrigatoriamente assinado por engenheiros civis, sanitaristas, mecânicos ou engenheiros especializados em hidráulica - todos devidamente registrados no sistema CONFEA/CREA ou CAU. Nele são realizados:

O valor do laudo varia conforme a prática de mercado local e a complexidade do sistema a ser analisado. Os IBAPEs (Institutos Brasileiros de Avaliações e Perícias de Engenharia) geralmente indicam valores mínimos para inspeções e perícias. Em São Paulo, por exemplo, a referência mínima é de aproximadamente R$ 6.270,00.

Como prevenir o golpe de aríete

Confira orientações dos especialistas entrevistados para prevenir que o fenômeno golpe de aríete aconteça em seu condomínio:

O projeto hidráulico deve prever a instalação de dispositivos como válvulas redutoras de pressão, amortecedores de golpe (também chamados de "break hammer") e câmaras de ar.

Em sistemas existentes, sugere Martins, é possível instalar novos dispositivos deste tipo, além de revisar fixações e ancoragens para minimizar vibrações. Outro cuidado importante é orientar os moradores a evitarem o fechamento brusco de registros e torneiras.

Obra de reparação do golpe de aríete

A complexidade da obra e dos gastos para eliminar o golpe de aríete vai depender da extensão dos danos causados. Uma das questões é o acesso e a necessidade de quebra de revestimentos. 

“No meu condomínio, não foi somente alívio de pressão, pois tivemos de refazer fixações e colocar amortecedores. Foi difícil comprar os equipamentos corretos e acessar o shaft”, lembra Martins.  

Em algumas situações, é possível instalar válvulas ou amortecedores de golpe em locais estratégicos sem grandes quebras e fazer fixações.

Grossi menciona um caso prático simples, que  envolveu a substituição das válvulas de descarga por vasos sanitários com caixas acopladas. Essa alteração reduziu significativamente a velocidade do fluxo de água nas tubulações e, como benefício adicional, também diminuiu o consumo de água do condomínio.

Porém, se for necessário substituir trechos da tubulação, principalmente se estiverem embutidos, a intervenção será invasiva, exigirá planejamento e, obviamente, terá um custo mais elevado.

Casos mais graves implicam na substituição de trechos inteiros da tubulação ou a realização de ajustes estruturais, exigindo estudos técnicos mais detalhados. 

Por isso, sempre é recomendável aproveitar manutenções já programadas para evitar retrabalho.

O arquiteto Marcos César de Barros Holtz, presidente da Associação Brasileira para a Qualidade Acústica (ProAcústica), aconselha - quando possível - contratar um projetista qualificado para o projeto hidráulico, além de acompanhar a execução para garantir sua efetividade. É a melhor maneira de preservar a paz no condomínio.

Outros fenômenos podem provocar barulhos 

Marcos Holtz destaca especialmente equipamentos que giram, como bombas de recalque, exaustores de churrasqueira, elevadores e geradores de energia como outros provocadores de barulhos.

“Nesses casos, são necessários sistemas antivibratórios, envoltórios e atenuadores de ruído em geral”, diz.

Alguns exemplos para ficar de olho:

Todos esses problemas também exigem avaliação e solução técnica especializada, antes de fazer a intervenção.

Boas práticas de manutenção

A manutenção preventiva é essencial para prevenir o golpe de aríete e garantir a durabilidade dos sistemas hidráulicos. O engenheiro Grossi recomenda seguir as orientações das normas ABNT NBR 5674 e ABNT NBR 5626, incluindo:

Agora que você já aprendeu tudo sobre golpe de aríete e seus impactos tanto no barulho quando na infraestrutura do condomínio, que tal conferir esta matéria sobre as diferenças de gestão de condomínios novos e antigos e esta outra sobre inspeção predial?

Fontes consultadas: Flávio Martins (engenheiro civil), Marcos César de Barros Holtz (arquiteto e presidente da PróAcústica), Marcus Grossi (engenheiro).