Portaria Virtual

Portaria Remota x Presencial: tecnologia, custo e segurança em jogo

Remota, híbrida ou autônoma. É visível a transformação no modelo tradicional de portaria em condomínios com a consolidação de inovações tecnológicas, incluindo IA. Os impactos da futura Reforma Tributária nas finanças do condomínio serão mais um motivador para a adesão à tecnologia e à busca por maior eficiência de funcionários

Por Catarina Anderáos

01/08/25 05:39 - Atualizado há 1 dia


A portaria do seu condomínio é segura e vale o que custa? O dilema de escolher entre o modelo tradicional - presença física percebida, acolhimento e vínculo - e a inovação - segurança com mais tecnologia, facilidades e redução de custo - não é simples e, cada vez mais, o financeiro vai pesar. Seja por inflação, juros ou Reforma Tributária à vista.

Uma coisa é certa: nada será como antes. Mesmo os condomínios que prefiram porteiros orgânicos e não tenham problema no maior gasto, é inegável o avanço tecnológico no mercado de segurança eletrônica, principalmente dos recursos de Inteligência Artificial.

Em apenas um ano, o uso da IA abarcada em soluções de segurança eletrônica cresceu de 54% para 64,3%, informa a Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (ABESE).

A adoção de equipamentos como leitores faciais é um caminho sem volta - inclusive em condomínios com portaria presencial: o uso do reconhecimento facial nos condomínios cresceu 47% entre 2022 e 2024, de acordo com a associação.

É uma camada adicional no plano de segurança integrada também em condomínios que têm portaria presencial. A atual discussão sobre tratamento de dados biométricos é essencial e faz parte desse avanço.

Leis regionais proibindo o uso de portaria remota, como já acontece no Distrito Federal e em discussão no estado de São Paulo a partir do Projeto de Lei nº 906/2023, e convenções coletivas de sindicatos penalizando condomínios que trocam portaria orgânica por remota, são medidas desesperadas que beiram a inconstitucionalidade para tentar frear uma mudança que já aconteceu. 

Nesta reportagem, mais que custos e equipamentos tecnológicos, avaliamos a evolução do serviço de portaria e como equilibrar variáveis tangíveis e intangíveis, tais como segurança, finanças, eficiência, desejo dos moradores, reais necessidades e a tão falada experiência proporcionada pelas diferentes modalidades. Boa leitura!

Portaria Remota x Presencial: cenário atual nos condomínios

De acordo com o Censo 2022, do IBGE, 1 em cada 8 endereços do Brasil fica dentro de condomínio. São 13,3 milhões de residências nesta tipologia, segundo o Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE). 

Número que só cresce com a verticalização e o adensamento em grandes centros. Como a cidade de São Paulo, que de 2010 para 2022 teve um aumento de 26,6% no número de pessoas morando em prédio, passando de 2,6 milhões para 3,3 milhões. Quase 30% das 11,9 milhões de habitantes.

E se uma das principais motivações para as pessoas se mudarem para condomínios é a segurança, outro mercado que vem crescendo é o de segurança eletrônica - onde a portaria remota está inserida

Segundo o estudo Panorama 2024/2025 da ABESE, o mercado de segurança eletrônica faturou R$ 14 bilhões e teve crescimento de 16,1% em 2024, sendo o setor de prestador de serviços na modalidade instalação, manutenção, monitoramento de alarme e portaria remota sem central de monitoramento própria, o que mais cresceu, com 24%

"A expectativa para 2025 é de um crescimento de 25,3% na área de portaria remota, sustentado pela consolidação do modelo, avanços tecnológicos e maior profissionalização das empresas", afirma Selma Migliori, presidente da ABESE.

Veja a série histórica dos últimos cinco anos do setor de portaria remota:

Ano Crescimento
2020 14%
2021 16,5%
2022 19,7%
2023 22%
2024 24%

A ABESE estima que mais de 14 mil condomínios no Brasil já utilizem portaria remota. Mesmo ainda um número tímido, a expansão vem acompanhando fortemente a digitalização dos serviços condominiais e a busca por soluções mais seguras e econômicas, afirma Migliori.

Reforma Tributária e dissídios: pressão nas finanças do condomínios

No Grupo Souza Lima, dos cerca de 600 condomínios clientes com serviço de portaria, hoje 25% são adeptos de uma das três modalidade de portaria remota oferecidas pela empresa:

"O serviço em uma das três opções vem crescendo 15% ao ano nos últimos três anos na empresa. O budget do condomínio é mandatário para a escolha",  afirma Décio Soares Tenório, Diretor Comercial de Condomínios da Souza Lima.

E para o diretor de Marketing da empresa, Cacá Fernandes, a tendência é aumentar.

"A Reforma Tributária vai encarecer muito os nosso serviços e a tendência dos próximos dissídios de funcionários é ficar acima da inflação. Então haverá uma necessidade de transformação nos condomínios. Não vai ter jeito: os condomínios terão que se adaptar e migrar para portaria remota em alguma modalidade", opina Fernandes.

Ele aposta que cerca de 20% dos condomínios vão aderir a uma das formas da tecnologia nos próximos anos. 

Nem Presencial, nem Remota. O futuro é a Portaria Híbrida

O diretor da Souza Lima, Décio Tenório, enxerga duas mudanças:

  1. Condomínios novos sendo entregues pelas construtoras com automação de controle de acesso, trazendo portarias mais automatizadas e mais seguras;
  2. Condomínios antigos sendo adaptados para o modelo híbrido.

Para o futuro da portaria, a tendência é o modelo híbrido na visão dele.

"A cultura latina de mais contato humano; a necessidade e a expectativa de mais facilidades e comodidades para o morador, como recebimento de encomendas, correspondências protocoladas; população que requer cuidados, como crianças e idosos. São exemplos em que a tecnologia não resolve e requer mão de obra não apenas presencial, mas de confiança", justifica o diretor do Grupo Suza Lima.

A presidente da ABESE concorda com o Décio.

"O futuro tende a ser híbrido e personalizado, com condomínios adotando combinações entre tecnologia e operação humana à distância. A portaria remota já se consolida como solução principal em muitos edifícios, mas também cresce o uso de modelos mistos, como atendimento presencial em horários comerciais e remoto no período noturno, adaptando-se às necessidades de cada empreendimento", diz Selma Migliori.

Case de Portaria Híbrida: redução de custos e maior eficência dos funcionários

Este é o caso do condomínio da jornalista Catarina Anderáos, que escreve esta matéria. Há dois anos o condomínio onde mora e é síndica orgânica implantou portaria remota no modelo híbrido após 42 anos de portaria orgânica, sendo alguns porteiros com mais de 30 anos de casa. Foi uma mudança cultural grande, mas bem-sucedida após alguns meses.

O projeto inicial seria portaria 100% remota, porém, após deliberações em duas assembleias, os condôminos optaram em manter porteiro noturno para imprimir maior segurança na entrada e saída de pedestres e veículos, entrega de delivery e entrar em ação em imprevistos, como quebra de portões, queda de energia ou dos sistema. 

O condomínio reduziu o quadro total de 6 para 4 colaboradores. Durante o dia, um zelador e um auxiliar de serviços gerais trabalham na escala 6x1 e dois porteiros noturnos na escala 12x36.

"Revisamos e ajustamos o horário de entrada dos funcionários diurnos e implementamos folgas no final de semana em dias diferentes para cada, além de escala para cobertura de feriados. Com isso, o quadro ficou mais eficiente e o condomínio garante funcionário presencial nas 24 horas do dia de segunda a sexta-feira e em quase todo o dia aos finais de semana e feriados, quando temos um funcionário diurno", detalha Catarina. 

Para a gestão e os moradores, este modelo híbrido customizado trouxe mais conforto e garantia na continuidade dos serviços, suavizando a adaptação ao novo sistema.

"Nestes dois anos, os portões já quebraram algumas vezes e, em certas situações, levou algumas horas para o conserto ser feito, pois envolvia serralheria. Já houve queda de energia por mais de 12 horas, problema de vazamento de água na madrugada, acidente na garagem. Se não tivesse um funcionário de prontidão, até o problema ser encaminhado, quem teria que entrar em ação seria eu e, na minha ausência, alguém do conselho, o que acabaria sendo um peso para a gestão", analisa a síndica.     

O custo da rescisão dos funcionários desligados foi recuperado em 22 meses com a economia proporcionada pela portaria remota, a conta ordinária reduziu levemente no primeiro ano e aumentou bem abaixo da inflação no segundo ano.

De acordo com a ABESE, a economia média relatada por condomínios que implantam portaria remota gira entre 40% e 60%, variando conforme a estrutura do condomínio, o modelo anterior de portaria e o número de turnos substituídos. Em casos de portarias 24h, o impacto financeiro positivo é ainda mais expressivo.

No caso deste condomínio, foi possível aumentar a arrecadação no Fundo de Obras sem praticamente mexer no valor total da taxa, e acelerar a reforma elétrica para viabilizar a instalação de aparelhos de ar-condicionado nas unidades.

"É um prédio antigo, de classe média, que, inevitavelmente, tem maior demanda de manutenções. Depois da elétrica, temos na fila recuperação estrutural, pintura de fachada, reforma do salão de festas. A lista de benfeitorias é imensa e os condôminos não têm fôlego financeiro para dobrar a arrecadação", justifica. 

Além do lado financeiro, o condomínio enxerga, entre outros benefícios, maior segurança trazida pelo projeto, que incluiu:

Mão de obra mais exigente 

Outro fator para o avanço da implementação de ferramentas tecnológicas é a própria mão de obra. Décio Tenório relata que há uma dificuldade crescente na contratação de colaboradores, com muitos optando por trabalho informal em vez de contratos CLT.

"Além disso, os funcionários de hoje estão mais intolerantes a desrespeito, principalmente de moradores, e mais exigentes com benefícios e proximidade do local de trabalho de suas casas", relata Tenório.

Como medidas para retenção dos colaboradores, a Souza Lima, por exemplo, premia com gratificação em dinheiro funcionários com assiduidade, pontualidade, feedback positivo dos clientes. E mesmo não sendo obrigação do setor, oferece assistência médica.

Principais inovações e tendências em segurança eletrônica 

Segundo Selma Migliori, presidente da ABESE, entre os recursos mais atuais em segurança eletrônica estão:

"Entre as principais tendências tecnológicas estão o avanço da IA , o uso crescente de reconhecimento facial e aplicativos."

Case de Portaria Presencial Customizada com muita tecnologia

Richardson Passos é síndico profissional de um condomínio-clube em Florianópolis/SC que é um ótimo exemplo de portaria presencial customizada com inovações tecnológicas para as suas 200 unidades com cerca de 700 moradores, 24 espaços sociais e 14 funcionários.

Com o intuito de trazer mais celeridade no atendimento devido ao grande fluxo na portaria - entrada de moradores, visitas e prestadores; entrega de encomendas e reserva de espaços - o condomínio implantou controle de acesso facial: moradores, funcionários, convidados com convite enviado pelo morador. Essa medida diminuiu bastante o trabalho de triagem dos porteiros.

E outra medida foi fazer transbordo a partir do quinto toque no interfone na guarita para uma central de portaria remota fazer a triagem e liberar o visitante. Mas essa novidade não foi bem recebida.

"As pessoas estranharam o atendimento da central de portaria remota, que seguia padrão diferente da presencial (empresas diferentes). Além disso, nem sempre os atendentes remotos orientavam corretamente visitantes sobre como chegar numa área de lazer, como o salão de festas. Acabava sobrando para a porteiro presencial resolver, então desistimos", relata Passos, que manteve o controle de acesso facial.

Adepto à experimentação de novidades tecnológicas, Richardson inovou em outras frentes aproveitando que o público do condomínio é jovem e hard user de delivery e e-commerce.

O condomínio adotou totem com interfone e câmera exclusiva para delivery que toca direto no apartamento e o morador desce para receber na eclusa. "Tem final de semana que chega a fazer fila de 30 entregadores aguardando."

Ele tentou implantar locker para gestão de encomendas, mas infelizmente os entregadores cometiam muitos erros, direcionando os pacotes para unidades erradas e suspendeu. Pretende voltar a usar o equipamento mas com os próprios funcionários fazendo a gestão nos compartimentos do armário inteligente.

"Procuro aliar a tecnologia e o humano e transferir para o morador e o visitante uma etapa de segurança para assumirem a sua parte de responsabilidade. Tenho relatório que mostra o comportamento no controle de acesso, se autorizaram entrada de pessoas indevidas", exemplica. 

Ele reforça que, com tecnologia, é possível eliminar problemas como ordem de restrição em casos de violência doméstica, removendo acesso de pessoas.

"Quanto mais níveis de segurança, melhor. O porteiro acaba assumindo um papel mais de um anfitrião para receber bem as pessoas, orientar", pontua. 

Condomínio do Futuro: cabeamento para diversas automações 

Richarson Passos está preparando o condomínio para um novo salto tecnológico para um futuro próximo, que vai além da modernização da portaria: está cabeando fibra no condomínio inteiro para deixar infraestrutura pronta para automações de tudo o que for possível: luzes, aparelhos ar-condicionado, liga/desliga de equipamentos.

Este projeto também inclui adesão a telemetrias (IoT) para controle de nível de caixa d'água, consumo de energia, bombas, controle de temperatura do boiler - emite alertas para situações críticas e previne problemas.

Fora o CFTV com 20 câmeras com IA para reconhecimento facial. O condomínio vai cadastrar todos os moradores para facilitar localização, principalmente de crianças, e monitorar.

Haverá emissão de alertas/pushes para situações em que pessoas e objetos perdidos estiverem em lugares indevidos, controle de vagas na garagem, cerca virtual no perímetro do condomínio apontando invasão.

"Trará mais segurança ao mesmo tempo que vai retirar afazeres dos funcionários para que se dediquem a agir nos alarmes emitidos, por exemplo". Mais uma vez a eficiência em foco.

"Isso tudo gera dados, gráficos, mensurações. A elaboração de relatórios completos traz valor para as coisas que são feitas, mostra atendimentos, acessos, prevenção e resolução de problemas. Excelente para prestação de contas, mostrar o valor da gestão e ajudar numa reeleição", exemplifica. 

Portaria Remota x Presencial: qual devo contratar para o meu condomínio?

Está claro que cada modelo de portaria - e suas opções e customizações - tem suas vantagens e desvantagens. Mas o principal fator a ser considerado na hora da escolha é o perfil do condomínio e o que os condôminios querem de fato.    

No caso da portaria remota, as vantagens observadas após a implantação e compiladas pela ABESE são:

Já a portaria presencial, o valor está atrelado a:

Décio Tenório pontua que 80% dos condomínios que optam pela portaria remota são motivados pelo custo

Apesar disso, o diretor da administradora Manager, Marcelo Mahtuk, alerta que o melhor modelo não é o mais barato, mas o que equilibra segurança, experiência e identidade do condomínio.

"Esse tipo de decisão não deve ser tomada apenas em uma assembleia rápida. Ela merece tempo de reflexão, escuta qualificada e análise técnica do contexto e das pessoas. Diversos condomínios atendidos pela Manager discutem em assembleia sobre implantação da portaria remota, e vem o pessoal com o apelo da economia, e aderem pelo custo, mas muitos condôminos se arrependem depois", diz. 

E independente da opção ser pela portaria presencial ou pela remota, uma coisa é básica, aponta Tenório: ter um projeto de segurança que avalie o condomínio como um todo, inclusive regras e disciplina não só de funcionários, mas de moradores. "Unindo tecnologia e pessoas treinadas forma-se o combo da segurança."

Um projeto bem-feito contempla um Plano de Contingência que prevê situações de emergência e o que fazer em cada uma delas. 

No caso da portaria remota, a ABESE lista que as situações de risco podem ser contornadas com uso de nobreaks e baterias de longa duração, conexões de internet redundantes, suporte técnico emergencial e protocolos de contingência que acionam equipes de manutenção, chaveiros ou zeladores parceiros.

"O barato pode sair caro por não contemplar todos os itens indispensáveis de um plano bem traçado", afirma Selma Migliori, presidente da entidade.

E nunca é demais lembrar que a tecnologia é uma aliada na mitigação de riscos, mas a segurança condominial depende também do comportamento humano.

"As principais falhas ainda decorrem de atitudes como liberar o acesso sem conferência, não manter o cadastro de moradores atualizado ou deixar portões abertos. A conscientização coletiva é essencial", reforça Migliori.

Fontes consultadas: Cacá Fernandes (Grupo Souza Lima), Décio Tenório (Grupo Souza Lima), Lázaro de Sá (assessor jurídico ABESE), Marcelo Mahtuk (Manager), Richardson Passos (Síndico Profissional), Selma Migliori (ABESE), Vanessa Munis (advogada e síndica profissional).