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Antonio Artêncio Filho

"Governo deve acudir os geradores de emprego", diz advogado

Teoria do Fato Príncipe pode ser aplicada para explicar que possíveis indenizações aos funcionários durante pandemia são de responsabilidade da administração pública

14/04/20 05:09 - Atualizado há 4 anos
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Teoria do Fato Príncipe pode ser aplicada para explicar que possíveis indenizações aos funcionários durante pandemia são de responsabilidade da administração pública

Por Antônio Artêncio Filho*

A Câmara dos Deputados Federais aprovou, em 18/03/2020, o projeto do Governo Federal que estabelece o estado de calamidade pública no país por conta do coronavírus. 

Você sabe o que isso significa?

Calamidades não costumam ser situações positivas: o dicionário define como “desgraça pública; grande infortúnio; catástrofe”. Mas você sabe o que implica decretar estado de calamidade, em quais situações ele pode ser usado, e o que isso possibilita ao governante?

O dicionário nos diz que “calamidade” tem origem no latim ‘calamitatens’ (desgraça pública; grande infortúnio; catástrofe); tais como: secas, enchentes, tsunamis, terremotos, erupção de vulcão, tempestade, furacões, epidemias, etc. 

O estado de calamidade pública é uma situação anormal, em que a capacidade de ação do poder público estatal fica seriamente comprometida, numa situação que é fruto de um desastre e, assim, o Estado deve intervir para auxiliar na superação do problema

O estado de calamidade pública é o mais sério que o Estado pode declarar, em comparação para com o estado de emergência, pois compromete bastante a capacidade de defesa. 

Em ocorrendo uma situação (epidemia do coronavírus), que afeta o Estado e que acarreta a gravidade (morte da população e considerando a velocidade com a qual a doença trabalha), parte do reconhecimento do Poder Executivo Federal desta situação calamitosa, determinando quais medidas de apoio serão tomadas e quanto será gasto nas ações necessárias. 

Assim, o Governo Federal libera recursos, aciona até a Defesa Civil Militar, envia kits emergenciais, autoriza o parcelamento de dívidas, posterga a execução de gastos, fica dispensado de realizar licitações públicas para adquirir medicamentos e produtos de combate ao vírus, permitindo-se ainda à população que possa sacar parte do FGTS. 

O estado de calamidade pública é decretado por governantes em situações reconhecidamente anormais, decorrentes de desastres (naturais ou provocados) e que causam danos graves à comunidade, inclusive ameaçando a vida dessa população. 

É preciso haver pelo menos dois entre três tipos de danos para se caracterizar a calamidade: danos humanos, materiais ou ambientais; no Brasil, essa é uma prerrogativa reservada para as esferas estadual e municipal; ou seja, governadores e prefeitos podem decretar uma calamidade pública. 

Mas e o presidente, não tem esse instrumento à disposição? Não, porque na esfera federal, podem ser decretados apenas os chamados estados de exceção, que são dois tipos: o estado de defesa e o estado de sítio – que é o mais grave. 

E por esta razão é que o Governo Federal enviou projeto à Câmara dos Deputados, que aprovou a medida e que agora será aprovada pelo Senado Federal. 

No mesmo sentido, o governador do estado de São Paulo, João Doria, e o prefeito da capital, Bruno Covas, decretaram calamidade pública para o estado e para a cidade de São Paulo e, com isso, ficará mais fácil tomar ações, eliminando as burocracias (os dois decretos foram publicados em 21/03/2020 em Diário Oficial). 

A medida objetiva restringir o ir e vir da população pelas ruas e foi igualmente adotada por outros Estados da Federação. 

As relações de trabalho em meio à pandemia

Surge em meio à atual conjuntura nacional, o artigo 486, CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que dispõe: 

No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. (Redação dada pela Lei no 1.530, de 26.12.1951) 

§ 1o - Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria. (Incluído pelo Decreto-lei no 6.110, de 16.12.1943) 

§ 2o - Sempre que a parte interessada, firmada em documento hábil, invocar defesa baseada na disposição deste artigo e indicar qual o juiz competente, será ouvida a parte contrária, para, dentro de 3 (três) dias, falar sobre essa alegação. (Redação dada pela Lei no 1.530, de 26.12.1951) 

§ 3o - Verificada qual a autoridade responsável, a Junta de Conciliação ou Juiz dar- se-á por incompetente, remetendo os autos ao Juiz Privativo da Fazenda, perante o qual correrá o feito nos termos previstos no processo comum. (Incluído pela Lei no 1.530, de 26.12.1951)”. 

Estabelecida então, a Teoria do Fato do Príncipe, que parte do entendimento de que a Administração Pública (Federal, Estadual ou Municipal) não pode gerar danos ou prejuízos aos seus administrados, ainda que procure evitar o caos e seja instalada em prol da população; surgindo a obrigação de indenizar. 

Caso se impossibilite a continuação da atividade, de forma temporária ou definitiva, com a consequente dispensa de trabalhadores, estaremos diante da hipótese do factum principis, espécie do gênero força maior

Estamos diante do instituto da força maior, que pode ser entendido por um evento imprevisível e danoso o suficiente para prejudicar empresas ou até mesmo levá-las ao fechamento, extinguindo a atividade empresarial. 

Cabe ressaltar que o ‘factum principis’ difere do instituto da força maior, pois aquele depende de um imperativo mandamental que parta de umas das esferas governamentais, no sentido de que a empresa é obrigada a paralisar ou até mesmo a encerrar suas operações empresariais em razão justamente da ordem emanada dos governos Federais, Estaduais ou Municipais

Uma vez decretado pelo Estado o atual estado de calamidade pública, quais as consequências do rompimento do contrato de trabalho dos empregados e quais as verbas rescisórias devidas a estes? 

Há muitos e variados julgados prolatados pelos tribunais trabalhistas no país, mas, levando-se em conta que tanto a doutrina e a jurisprudência majoritárias, deixam claro que não é devida a indenização do aviso prévio em face do evento imprevisível. 

Relativamente às demais verbas rescisórias, estas são devidas e devem ser pagas pelo empregador.

Até esse ponto não restam dúvidas, está muito clara a responsabilidade. 

O problema e a discussão surgem na imputação do responsável pelo pagamento da indenização adicional do FGTS: essa responsabilidade é da administração pública que decretou o estado de calamidade, ou é atribuída somente ao empregador, gerador de empregos?

São dois os posicionamentos principais. O primeiro diz que em razão da indenização adicional do fundo sobre o FGTS é decorrente de força maior, o valor a ser quitado é devido pela metade (20%) e de responsabilidade do empregador. 

O segundo posicionamento abraça o sentido estatuído no artigo 486, CLT, que determina a responsabilidade do governo estatal que decretou o ato proibitório de interromper e paralisar a atividade empresarial geradora de empregos. 

Este segundo entendimento é claro ao estabelecer que o governo estatal não pode se beneficiar, da força empreendedora e empresarial do empregador e ainda da força de trabalho operada pelo trabalhador empregado; em especial pelo empregador que é mais fortemente atingido pelo ônus de manter seus empregados com todas as incidências remuneratórias e encargos sociais, sem que a empresa esteja gerando receita. 

Entende-se que a possibilidade legal quanto ao pagamento de somente metade da indenização adicional é encargo dos empregadores e não de terceiros, resultando que a Administração Pública, geradora do decreto,  deve indenizar de forma integral (40%). 

A jurisprudência, caminha largamente no sentido de responsabilizar a administração pública pelo pagamento. 

Resulta que a incidência do Fato do Príncipe (ou ‘factum principis’), direciona e estabelece que, ocorrendo rescisão pela empresa dos contratos de trabalhos por força maior, vez que estando a calamidade pública presente, que limita a saúde financeira do gerador de empregos, ainda que o decreto seja externado em benefício da população, responde a Administração Pública e se responsabiliza pelo pagamento da indenização rescisória. 

O Fato do Príncipe torna responsável o Estado pelos atos ruinosos cometidos contra os geradores de emprego, ainda que estes atos sejam externados por meios lícitos, residindo a previsão legal no direito material trabalhista (artigo 486/CLT). 

A ideia aqui é que o fundamento da teoria do Fato do Príncipe encontra guarida no entendimento de que a Administração não pode causar danos ou prejuízos aos administrados, ainda que em benefício da coletividade; sendo que, inevitáveis esses prejuízos, surge a obrigação de indenizar. 

Nem se comente que o artigo acima mencionado só cabe em matéria de contratos administrativos, não incidindo na seara particular e para todo e qualquer negócio jurídico no qual a Administração Pública não participe; todavia, a CLT não externou essa restrição. 

Bem a tempo, esclareço que o instituto da força maior e do caso fortuito estão presentes em diversos artigos do Código Civil Brasileiro, e totalmente vinculados à inimputabilidade da falta, contratual ou extracontratual, ao agente, isentando este de eventual responsabilidade indenizatória. 

Nesse sentido, no entendimento da doutrina maior, caso fortuito é a ocorrência natural, ou o evento derivado da força da natureza, ou o fato das coisas, como o raio do céu, a inundação, o terremoto; enquanto que a força maior é o dano que teve origem de fato de outrem, como a invasão do território, a guerra, a revolução, o ato emanado da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto. 

O artigo 393, CCB, ao tratar das consequências da inexecução das obrigações, conceitua, em conjunto, a força maior e o fortuito, como sendo ‘o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir’. 

São requisitos do Fato do Príncipe, aqueles fatos que, realmente,  impossibilitam, de modo geral e nada individual ou pessoal, o adimplemento, tornando-se uma muralha que se revela intransponível quanto à execução da obrigação. 

De outro lado, a inevitabilidade, caracterizando a imprescindibilidade de que não existam maneiras ou modos de se evitar ou de se impedir os efeitos daquele fato sobre a execução da obrigação pactuada. 

Como terceira situação, mesmo sendo previsível a ocorrência, vem a força indomável e inarredável, impedindo o cumprimento da obrigação, razão suficiente que deve isentar o contraente de qualquer responsabilidade. 

Esses são os limites da força maior, presentes na doutrina majoritária. 

E o Fato do Príncipe? 

Grandes mestres da literatura jurídica brasileira (Caio Mário da Silva Pereira e Hely Lopes Meirelles, para citar apenas dois), relacionaram o fato do príncipe como uma das situações do instituto da força maior, chegando um deles (Hely Lopes Meirelles) a afirmar ser o fato do príncipe ‘toda determinação estatal, positiva ou negativa, geral, imprevista e imprevisível, que onera substancialmente o contrato’. 

Notório, portanto, que os Governos Estaduais e Municipais, baixaram resolução que impede a execução da prestação advinda da relação de emprego por impedimento de funcionamento da atividade empresarial, empreendedora e geradora de empregos, evidenciando que o empregador deverá ser exonerado de responsabilidade

Não há dúvidas de que a pandemia do coronavírus é sim força maior, um ato da natureza (mesmo que eventualmente tenha sido criado em laboratório pelo homem), mas se espalhou pelo globo e certamente afetará relações jurídicas por onde quer que se expanda. 

Daí, resulta que os governos, no papel de gestores da economia, devem acudir os geradores de emprego e de renda e mais ainda socorrer os trabalhadores, em especial aqueles mais dependentes (no caso, os trabalhadores informais e os que estejam em situação de desemprego), por meio da liberação e vinculação de verbas sociais do orçamento, que devem ser somente utilizadas em tempos de crise. 

(*) Antonio Artêncio Filho é advogado, conta com a experiência de 30 anos de exercício nas áreas contenciosas e consultivas do Direito; cursou pós-graduação em Processo Civil e Direito Civil (com ênfase em Contratos); possui a Certificação de Especialista em Administração de Condomínios pela Universidade Secovi/SP; é Síndico Profissional com Diploma de Reconhecimento Público pela Câmara Municipal de São Paulo; é membro efetivo da Coordenadoria de Direito Condominial da OAB-SP (2018, 2019 e 2020) e foi vice-presidente da Comissão de Direito Condominial da Subseção da OAB-SP do Ipiranga em 2019.

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