Miniapartamentos
RS: Gaúchos contam como é viver em imóveis com metragem reduzida
Prático, terrível, confortável ou desafiador: moradores contam como é viver em um miniapartamento
Porto Alegre entra na onda dos espaços que integram diferentes peças em uma só, renovando os antigos kitnets
Ao entrar pela porta, todo o apartamento já pode ser visto: quarto, sala, cozinha e canto de estudos ou trabalho, além do banheiro separado. Os miniapartamentos, com uma peça que integra diversos espaços, são uma tendência em crescimento em grandes cidades. E, aos poucos, Porto Alegre entra na onda com opções para moradia e curta locação.
Os kitnets e studios fazem parte de um universo de imóveis com pequena metragem. O sociólogo Samuel Thomas Jaenisch, professor de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), esclarece:
— Isso que hoje está sendo anunciado pelas construtoras como studios é só uma atualização de um tipo de produto imobiliário que temos no Brasil desde os anos 1950 e 1960, pelo menos, que antigamente era chamado de kitnet, em Porto Alegre de JK, e que agora está sendo chamado de studio. Então, o que temos hoje no mercado é uma atualização desse produto, vendido com uma nova cara, uma nova roupagem.
A demanda por imóveis do tipo JK (ou kitnet) e de um dormitório em Porto Alegre tem aumentado nos últimos anos, conforme dados levantados pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi-RS) e pela Associação Gaúcha de Empresas do Mercado Imobiliário (Agademi). Em junho de 2025, na Capital, havia 71,7% menos imóveis destes tipos disponíveis para locação do que no mesmo período de 2021.
Estudantes que saem do Interior rumo à Capital para cursar faculdade, pessoas que querem morar sozinhas pela primeira vez, casais que buscam começar uma vida juntos, idosos ou quem quer uma alternativa diante da diminuição de renda: esse parece ser o perfil do público-alvo desses espaços, de acordo com Samuel.
Zero Hora visitou moradores de quatro miniapartamentos para entender como é morar em um espaço com pequena metragem.
Há 25 anos em 21 metros quadrados
No bairro Praia de Belas, a união entre um gaúcho e uma baiana tem como residência um apartamento de pouco mais de 21 metros quadrados — calculados com o auxílio de uma trena, quando Zero Hora foi conhecer essa história. Dos 64 anos de vida, Roberto Kodama mora há cerca de 25 no local. Há 10 meses, divide o espaço com Maria Isabel Queiroz de Araújo, 33 anos.
Foi após se divorciar em um antigo relacionamento que Roberto comprou o imóvel.
— Eu saí de lá (da moradia anterior) e fui à procura de um lugar para morar. Na época, isso faz 25 anos, havia uma certa facilidade para comprar apartamento. Eles aceitavam cheque. Eu dei não sei quantos cheques e estava pago — explica, afirmando que hoje gostaria de morar em um espaço mais amplo, mas enxerga mais dificuldades para adquirir um imóvel.
Para ele, já adaptado, os desafios em viver no pequeno apartamento se resumem aos momentos em que, anos atrás, precisou dividir com mais pessoas. Para Maria Isabel, novata na moradia, a organização é algo que incomoda. Roupeiro, prateleira e pintura novos estão nos planos do casal para melhorar esse ponto.
— Não foi tão difícil (me adaptar) porque eu sou uma pessoa que me adapto a qualquer ambiente, mas eu senti a diferença, principalmente na cozinha, porque eu gosto de cozinhar e gosto das coisas guardadinhas — conta ela.
No apartamento, uma peça é utilizada como quarto, sala e escritório. Cozinha e banheiro ficam separados. Incensos ajudam a afastar qualquer cheiro inconveniente do banheiro. Sem máquina de lavar roupa, as peças são lavadas na pia do banheiro e estendidas na janela. No dia a dia, o casal faz refeições em casa, mas também aproveita para ir em restaurantes e pede pratos via telentrega.
Roberto passa a maior parte do tempo no apartamento, gravando vídeos para canais que mantém no YouTube. Ao lado da mesa que utiliza durante as gravações, uma estante se estende pela parede e guarda recortes de jornais e de revistas a partir da década de 1970 sobre o mundo do cinema, paixão de Roberto.
Já Maria Isabel trabalha como atendente, mas também grava vídeos para as redes sociais. O apartamento fica próximo ao trabalho dela, o que facilita na rotina.
De Cuiabá a Porto Alegre
É como um lar temporário que a social media Victória Abreu, 28 anos, vê o apartamento de 36 metros quadrados onde mora junto ao marido no bairro Cidade Baixa. Os dois saíram de Mato Grosso e vieram ao Rio Grande do Sul em outubro de 2024, devido ao trabalho dele. Por cerca de um mês, ficaram em um apartamento semelhante até locarem a atual moradia — a menor onde já residiram, segundo Victória.
Na opinião dela, o maior desafio se concentra na cozinha. O casal costuma buscar mais refeições fora de casa do que se aventurar no fogão do apartamento.
— Em Cuiabá, fazíamos almoço e janta normal porque a cozinha ficava embaixo (o apartamento era um loft). Então te dá essa liberdade. Aqui, se você pensa "vai fazer um fumaceiro", já bate desânimo. As coisas ficam muito mais gordurosas — descreve a moradora.
Cozinha, quarto e pia do banheiro estão em uma mesma peça, também utilizada como escritório e sala. Vaso e chuveiro ficam em outro ambiente. Mesmo assim, os cheiros se misturam. Aromatizador em spray, janela aberta e exaustor do banheiro ligado são a solução.
Victória conta que o espaço pequeno chegou a atrapalhar o relacionamento. Isso porque, em um primeiro momento, ela e o marido trabalhavam no apartamento.
— Não dá certo. Eu tenho algumas dificuldades de concentração, principalmente porque ele entra em muitas reuniões — lembra.
A alternativa foi o marido trabalhar presencialmente, já que tem a possibilidade.
No prédio, a lavanderia e a academia disponíveis chamaram a atenção de Victória na hora da escolha. A região boêmia e central foi outro ponto de destaque.
Local para dormir
O pediatra Thiago Lopes Dutra, 28 anos, também veio de fora do Estado. Ele saiu do Rio de Janeiro para fazer uma residência em Neurologia Pediátrica no Rio Grande do Sul. Para morar, escolheu um espaço de cerca de 15 metros quadrados dentro de uma moradia para universitários no bairro Bom Fim, onde poderia ficar próximo dos seus compromissos.
O apartamento tem banheiro, cozinha, quarto e local para estudos. Mas, se precisar, o morador pode utilizar as áreas compartilhadas, como as salas de estudo e trabalho, a academia, a lavanderia, o cinema, os locais com churrasqueira ou até mesmo as cozinhas coletivas.
— Eu precisava de um lugar para guardar minhas coisas e dormir. Eu fico o dia inteiro no hospital. E aqui, além de tudo, é um pouco diferente a proposta porque temos várias pessoas que vivem a mesma rotina — destaca Thiago, que mora no studio desde fevereiro de 2025.
O médico sai do apartamento pela manhã e retorna entre fim da tarde e noite — sendo que, às vezes, fica de plantão no hospital. Ele costuma fazer as refeições no trabalho e algumas mais simples no apartamento, utilizando micro-ondas, fogão ou a estrutura da cozinha coletiva.
Embora com outras experiências em apartamentos pequenos, ele cresceu em uma casa grande e teve um "choque inicial" quando precisou se adaptar ao espaço menor:
— Eu tive que reorganizar minhas roupas, por exemplo, a quantidade de roupa. Tinha várias coisas que eu não precisava. Então isso foi até bom, porque eu revi várias coisas que eu preciso muito menos. E agora eu penso duas vezes antes de comprar roupa: "Onde eu vou guardar?". No começo, foi difícil para a questão da organização, mas hoje eu consigo organizar bem.
A arrumação do apartamento em si, aliás, é "a melhor coisa": conforme Thiago, em uma hora, é possível organizar e limpar tudo.
Não só moradia, mas investimento
A praticidade conquistou a nutricionista Mariana Martins, 27 anos. Desde agosto de 2022, ela mora em um apartamento de cerca de 24 metros quadrados no bairro Auxiliadora. A localização também foi um destaque positivo para ela.
— Eu estava procurando um espaço para mim, porque meus pais tinham se mudado para Florianópolis e eu precisava terminar a faculdade. Não era válido, para mim, pegar um apartamento de dois dormitórios. Um amigo meu é corretor e me apresentou peças menores como os studios, peças de 24 metros quadrados, 28 metros quadrados, espaços menores para uma pessoa. Como eu passo o dia inteiro fora, para mim é prático, é bom — acrescenta.
Quando ela e a família encontraram o local, também viram uma oportunidade de investimento. Mariana mora em um dos apartamentos e ela e a família cuidam das locações do outro, via plataformas como Airbnb e Booking:
— É um mercado que está crescendo bastante. Pelo que eu estou vendo, tem muita gente que usa studios. Para quem viaja para fazer trabalho, é prático. É mais em conta, mas também, para quem ganha, do outro lado, é bem rentável.
Mariana explica que hoje considera a demanda alta, mas que foi difícil para deslanchar e ter movimento no início.
No prédio como um todo, inclusive, ela acredita haver mais hóspedes do que moradores. Esse movimento de diferentes pessoas circulando pelo prédio se torna um desafio para ela, enquanto moradora, uma vez que os vizinhos não são sempre os mesmos.
A adaptação ao pequeno espaço do apartamento também exigiu um maior esforço no início. Para facilitar, ela planejou o apartamento de forma que conseguisse se organizar melhor. A cozinha recebeu atenção especial já que a nutricionista gosta de preparar as refeições. Fogão cooktop, geladeira, armário, utensílios diversos e espaço para mexer nos ingredientes compõem essa parte do studio.
Além da cozinha, a peça inclui quarto e espaço para estudo. Separado, fica o banheiro. O prédio conta com uma empresa terceirizada para lavanderia.
Foco em investidores
A compra por investidores entrou no radar do sociólogo e professor de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Samuel Thomas Jaenisch. De acordo com ele, desde o fim da pandemia, houve um aquecimento na produção de pequenos empreendimentos em grandes cidades — em São Paulo, foi ainda antes. O movimento, ressalta, parece ter sido voltado justamente a investidores privados, para que comprem e coloquem os empreendimentos em plataformas de aluguel temporário.
Junto a isso, ele acrescenta o incentivo de administrações municipais para produção de empreendimentos residenciais em áreas centrais, principalmente após o impacto da pandemia, que flexibilizou regimes de trabalho e fez moradores migrarem para outras regiões.
— Você tem as construtoras fazendo empreendimentos com esse foco para o investidor e não com o foco para quem vai morar, constituir família, criar seus filhos, porque não cabe em um apartamento de 20 metros quadrados. Acho que aí tem uma coisa que precisamos entender também como um problema que isso talvez acabe gerando para as cidades, de você estar cada vez mais investindo em empreendimentos que vão ser colocados nessas plataformas de aluguel e cada vez menos apropriados pela família, de fato, que está precisando de um lugar para morar em uma área mais central — argumenta.
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2025/07/como-e-viver-em-15-metros-quadrados-moradores-relatam-rotina-em-miniapartamentos-cmdgblzuw00b0014wjzng1bjl.html