Intolerância religiosa desafia a convivência em condomínios
Casos de intolerância crescem em ambientes privados e exigem regras claras para equilibrar liberdade religiosa, segurança e convivência
O Brasil registrou mais de 2,4 mil denúncias de intolerância religiosa em 2024, um aumento de quase 67% em relação ao ano anterior, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos.
Embora o debate sobre discriminação e intolerância religiosa costume ser associado ao espaço público, ele também se manifesta em ambientes privados.
Os condomínios residenciais, por reunirem pessoas com diferentes crenças e visões de mundo, funcionam como um microcosmo da sociedade e refletem dentro de seus muros os mesmos conflitos presentes no restante da vida social.
Um exemplo recente ocorreu em Dourados (MS), quando uma cantora gospel proferiu ofensas durante uma aula infantil de capoeira autorizada pelo condomínio, associando a prática a “macumba” e a “coisa do diabo”.
O episódio resultou no registro de boletim de ocorrência com base na Lei nº 7.716/1989, que equipara a intolerância religiosa ao crime de racismo e prevê pena de até cinco anos de prisão, além de multa.
Como a intolerância religiosa se manifesta nos condomínios?
Esses casos podem se manifestar de diversas formas, como:
- ofensas verbais;
- discursos de ódio;
- impedimento ao livre exercício de culto ou destruição de símbolos sagrados.
Como proceder em caso de intolerância religiosa no condomínio?
Diante de qualquer situação discriminatória, a orientação é reunir provas (como vídeos, mensagens ou testemunhos) e registrar a ocorrência imediatamente.
Cabe também ao síndico comunicar o fato às autoridades e adotar medidas internas que preservem a segurança e o respeito coletivo.
Liberdade de crença nos condomínios: respeito aos direitos coletivos
Lembremos que o Brasil é um país laico desde a proclamação da República em 1889. Isso foi confirmado pela Constituição de 1988. Logo, o Estado deve ter uma posição neutra, garantindo a liberdade de crença e de culto para todos, sem estabelecer ou embaraçar qualquer religião.
Garantir a liberdade religiosa, no entanto, vai além da punição de atos discriminatórios. É necessário criar um ambiente em que todas as manifestações de fé coexistam de forma pacífica e respeitosa, o que exige atenção especial dos condomínios.
Questões como a realização de cultos em áreas comuns, o uso de espaços para rituais e a presença de símbolos religiosos estão entre os principais pontos de atrito. É importante lembrar que esse direito fundamental precisa ser compatibilizado com os demais direitos dos moradores.
Essa necessidade de equilíbrio tem sido reconhecida pelo Judiciário.
Em julho de 2025, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal manteve decisão que proibia uma moradora de realizar cultos em sua residência sob pena de multa, entendendo que, embora a liberdade religiosa seja garantida constitucionalmente, os encontros extrapolam os limites do sossego e desvirtuam a função residencial do endereço.
No caso específico, a controvérsia envolvia rituais de umbanda realizados com frequência no imóvel, mas a interpretação adotada pela Justiça não se limita a uma crença em particular.
A regra vale para qualquer religião ou prática espiritual, reforçando que o exercício da fé, seja qual for sua origem, precisa respeitar os direitos coletivos e os limites impostos pela convivência condominial.
Quanto aos símbolos religiosos em áreas comuns, a jurisprudência tem reconhecido sua instalação como legítima, desde que não haja tratamento desigual entre diferentes crenças. Proibir imagens de uma religião e permitir outras, por exemplo, pode caracterizar discriminação.
Para evitar conflitos, a recomendação é que os condomínios adotem medidas preventivas. Regras claras e neutras no regimento interno sobre uso das áreas comuns, limites de ruído e realização de eventos religiosos ajudam a equilibrar direitos.
Campanhas de conscientização e canais internos de denúncia também são ferramentas importantes para garantir que a pluralidade religiosa assegurada pela Constituição seja efetivamente respeitada no cotidiano condominial.
Abaixo, confira o podcast sobre o tema em que participei:
(*) Diego Basse é formado em ciências jurídicas pela FMU e pós-graduando em Gestão de Pessoas. Sócio da GBB Advogados Associados (Gonçalves Basse e Benetti), militante há duas décadas na área condominial com 120 colaboradores sob sua gestão técnica. Presidente da Comissão de Direito Condominial da Subseção da OAB /SP da Comarca de Barueri (triênio 2019/2021), consultor e colaborador do Instituto Cacau Show, palestrante, colunista e professor do SíndicoNet, professor do MBA Conasi Unifatec - Paraná.