Condômino inadimplente em assembleia e a novação da dívida
A polêmica do condômino inadimplente, mas com acordo, estar na assembleia tem duas vertentes diferentes, mas ambas partem do conceito de novação das taxas em aberto
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A assembleia condominial é um dos institutos mais importantes da vida em condomínio, pois é nela que os condôminos podem debater e votar questões importantes, além de acompanhar o trabalho feito pelo síndico, por meio das prestações de contas.
Nesta oportunidade, o condômino tem voz na hora de decidir sobre diversos temas relativos ao condomínio e, por ser tão importante, participar e votar na assembleia é considerado, por lei, um direito do condômino.
A assembleia é, de fato, um dos ápices da vida em condomínio e para participar desse momento tão importante, o novo Código Civil diz o seguinte:
“Art. 1.335. São direitos do condômino: (…) III – votar nas deliberações da assembleia e dela participar, estando quite”.
O texto da lei é simples e claro. O condômino inadimplente não tem direito de participar das assembleias gerais, sejam elas ordinárias ou extraordinárias, mas a pergunta que fica:
O condômino com acordo pode votar? Como fica a situação de condôminos que estavam inadimplentes, mas fizeram acordo com o condomínio e estão pagando as cotas em atraso? Estes condôminos são considerados adimplentes ou inadimplentes para efeito de votação em assembleia?
Esse é um tema polêmico nos condomínios, pois o Código Civil não traz uma disposição específica sobre isso e, nesse caso, há uma grande discussão que divide os profissionais do Direito em duas correntes.
Dois entendimentos em relação à participação de condômino inadimplente em assembleia
A primeira corrente considera que a negociação do pagamento por meio de acordo estabelece novas condições para o condômino e isso implica também em não o considerar mais inadimplente. Para os defensores dessa tese, é uma situação semelhante a uma compra parcelada.
Nesse caso, a dívida existe, mas desde que o condômino esteja em dia com o pagamento das parcelas, ele não é considerado inadimplente.
Ou seja, mesmo que não tenha quitado a dívida integralmente, já que existem parcelas vincendas do acordo, ele está quite com o condomínio e possui direito a voto.
Para os que defendem esse posicionamento, o argumento utilizado é o instituto da novação, transformação da dívida em outra, com a extinção da obrigação inicial, conforme previsão no art. 360 do Código Civil.
A outra vertente acredita que acordo não descaracteriza a inadimplência, pois o débito só será extinto quando houver a quitação total do acordo.
Sendo assim, enquanto existir parcelas sendo pagas, o condômino não estará quite com a sua cota condominial, o que não o possibilita participar das votações em assembleia.
Lembramos que a previsão orçamentária, realizada anualmente pelo síndico, determina que o morador é obrigado a pagar, na data prevista na convenção, a cota proporcional à fração da sua unidade, na sua integralidade.
Quando o condômino que realiza um acordo somente estendeu aquela pendência para um prazo maior, mas a composição da taxa que lhe compete não foi integralmente recolocada nos caixas do condomínio, mantendo-se o “buraco” na composição orçamentária daquele mês, não fazendo com que o condômino ficasse quite com a taxa condominial. Nesse sentido podemos realizar alguns apontamentos.
Significado de estar quite e o conceito de novação de dívida
Podemos iniciar analisando a palavra “quite” que segundo o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, significa livre de dívida, de obrigação.
Neste caso, o condômino com o acordo, não está livre da dívida, mesmo que a substitua por outra, pois nele, com a devida correção monetária, multa, juros e (em alguns casos) custas, recebeu um novo vencimento, mas não quitou a obrigação principal contraída.
Ele continua obrigado à pagá-la até o final, ou seja, somente com o pagamento da última parcela o condômino supriu a lacuna que deixou pelo não pagamento da sua proporcionalidade no mês de inadimplência.
Além disso, para que a novação da dívida seja efetiva, a nova obrigação contraída deverá ser mudada de forma substancial, e não somente por alterações secundárias, como mudança de prazo de pagamento.
Porém, na prática, o objeto da dívida não muda, pois o morador continua devedor da cota condominial, o que contraria a premissa da novação.
Decisão judicial recente sobre participação de condômino inadimplente em assembleia
A jurisprudência mais recente já reconhece para as dívidas condominiais que o simples parcelamento de uma dívida não significa que esta foi novada automaticamente, como pode ser visto em decisão publicada em 2022:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – DESPESAS CONDOMINIAIS – NOVAÇÃO – INOCORRÊNCIA – Mero parcelamento de dívida não implica em ânimo de novar – Acordo firmado entre um dos executados e o condomínio que não constitui alteração substancial da dívida e tampouco exime a responsabilidade dos proprietários frente ao débito cobrado – Execução, no entanto, que deve prosseguir em face da agravante apenas com base no valor originário da execução, excluída a multa de 30% por descumprimento da avença – RECURSO PROVIDO EM PARTE.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2278941-14.2021.8.26.0000; Relator (a): Luis Fernando Nishi; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro de Presidente Prudente - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/03/2022; Data de Registro: 10/03/2022)
Isso ocorre porque o próprio código é claro em determinar que a dívida nova substitui e, concomitantemente, extingue a anterior o que não acontece na realidade dos condomínios, vejamos o que diz o inciso primeiro do art. 360, I do Código Civil:
Art. 360. Dá-se a novação:
I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;
(g.n)
Ainda avaliando a situação por outro prisma, digamos que o morador consiga realizar uma novação efetiva da dívida condominial, inclusive com o condomínio concedendo o comprovante de quitação sobre a dívida daquele mês específico que ficou em aberto, porém com nova a obrigação sendo devida em parcelas.
Neste caso, contraindo nova obrigação, ainda sim, o morador permanece não quite com o condomínio, já que, o código não especifica qual obrigação deverá ser quitada para que o morador participe da assembleia, devendo a avaliação desse caso ser geral, ou seja qualquer obrigação em aberto com o condomínio, não permite o direito de participação ou voto do morador.
Art. 1.335. São direitos do condômino:
III - votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite.
(g.n)
Sendo assim, mesmo que a questão seja polêmica o Código Civil não dá margens para interpretações diversas das trazidas acima, logo, qualquer obrigação contraída com o condomínio e não quitada impedirá o morador de participar e votar nas assembleias condominiais.
(*) Thiago Badaró é advogado, com atuação voltada à área condominial, pós-graduado em Direito Tributário, processual civil, imobiliário e contratual, professor de direito condominial na Escola Superior de Advocacia (ESA-OAB/SP) e professor de Direito Imobiliário em cursos de pós-graduação de algumas universidades, palestrante e escritor de artigos. Contato: thbadaro@nardesbadaro.adv.br.