Do condomínio para a cidade: lições de gestão e cuidado urbano
Planejamento, cronograma e zelo: lições da administração condominial que o poder público precisa ouvir para aprimorar a zeladoria urbana e transformar bairros em espaços de bem-estar

Ao contrário do que se vê em muitos bairros, a zeladoria urbana não precisa ser um jogo de adivinhação ou de reclamações nas redes sociais. Limpeza periódica, podas programadas, ações preventivas contra alagamentos e pragas: o que funciona nos condomínios pode (e deve) ser replicado pelas prefeituras.
Gestão eficiente se faz com planejamento, cronograma e respeito ao espaço coletivo.
O síndico é aquela figura muitas vezes invisível no dia a dia, mas cuja presença é sentida em cada canto de um condomínio bem administrado. Ele cuida das contas, media conflitos, gerencia fornecedores e, acima de tudo, é responsável por garantir o bem viver da sua comunidade.
Ele responde civil e criminalmente por suas decisões e, por isso, não pode se dar ao luxo de improvisar ou adiar ações importantes. E por que não pensar: o que o poder público — prefeitos, subprefeitos, secretarias — pode aprender com essa figura tão comum e, ao mesmo tempo, tão estratégica?
Viver bem exige um ambiente limpo, seguro, organizado. Onde há beleza e ordem, há saúde emocional e relações humanas mais equilibradas. O espaço urbano é o palco onde as interações acontecem, e cabe ao gestor — seja ele síndico ou prefeito — preparar esse palco com responsabilidade.
Zeladoria urbana não é favor ou ação emergencial
Sabemos que o belo requalifica. Sabemos que a organização externa promove organização interna. E sabemos, também, que a natureza acalma. Então, por que tantos gestores públicos ainda tratam a zeladoria urbana como um favor ou uma ação de emergência, ao invés de um serviço contínuo, bem planejado e previsível?
Vamos aos fatos. Antes das chuvas de verão, é preciso limpar os bueiros. Parece óbvio, mas é raro vermos um cronograma público e transparente que diga à população quando e onde isso será feito.
Resultado? Inundações, prejuízos e o eterno jogo de empurra. Ora, se a população souber que no dia X o bueiro da sua rua será limpo, ela aguarda. Ela entende. Ela não cobra, porque a informação está clara e a ação está agendada.
O mesmo vale para as podas de árvores. Vivemos em cidades com fiação aérea — o que, por si só, já é um risco permanente. Galhos mal podados tocam os fios e transformadores, causam apagões, incêndios, bloqueiam ruas.
A árvore precisa ser respeitada, sim, mas isso não pode ser desculpa para a negligência. É preciso fazer a poda preventiva com técnica e calendário. É preciso cuidar das árvores — adubá-las, garantir que suas raízes respirem, ampliar sua área de absorção.
Quem já viu alguém adubar uma árvore em via pública? É raro. Árvores sufocadas por concreto, com raízes comprimidas e calçadas estouradas, são um retrato do despreparo na implantação e na manutenção do verde urbano.
E quanto ao combate a pragas urbanas? Cupins, brocas, roedores — todos precisam ser combatidos de forma recorrente e técnica. O controle dessas pragas não é luxo, é saúde pública.
Um síndico sabe disso. Ele não espera o problema aparecer. Ele age antes, com periodicidade, com empresa contratada, com registros. Por que as subprefeituras não operam da mesma forma?
Manutenção exige planejamento
A verdade é que a cidade precisa de manutenção — e manutenção exige planejamento, cronograma, responsabilidade. Infelizmente, muitas de nossas ruas não foram projetadas com calçadas técnicas, calhas para cabeamento, rede subterrânea. Mas isso não pode justificar a desorganização. É preciso olhar para o que já existe e cuidar.
Como um síndico que, mesmo com estrutura antiga, cuida com zelo do seu condomínio, um bom gestor público precisa olhar para o bairro com o mesmo compromisso.
Zeladoria urbana não pode ser improvisada e pouco efetiva. Como dito popular, não pode ser só pra inglês ver. Varrição de ruas, limpeza pós-eventos, manutenção de áreas verdes — tudo isso precisa estar previsto em um cronograma acessível ao cidadão.
A transparência traz confiança. Quando a população sabe que o serviço virá, ela não precisa reclamar. Ela aguarda, confiante. E, claro, vive melhor.
Síndicos, em sua rotina silenciosa, ensinam que a gestão de um espaço coletivo passa por respeito, compromisso e método. Que os gestores públicos se inspirem nessa lição — e que a cidade, enfim, seja tratada com o mesmo cuidado que se espera de um bom condomínio.
(*) Lígia Ramos é Arquiteta Urbanista e Bióloga, síndica profissional da D’Accord há 20 anos. Cuida de aspectos práticos do condomínio, como áreas verdes, gestão de pessoas, planejamento e comunicação.