Como combater o desrespeito ao funcionário de condomínio
Entenda as consequências jurídicas e administrativas do desrespeito ao funcionário de condomínio e como síndico e moradores devem agir para fomentar um ambiente saudável e harmônico

A vida em condomínio é um exercício constante de convivência coletiva. Moradores, síndicos, prestadores de serviço e funcionários dividem diariamente os mesmos espaços e responsabilidades.
Os colaboradores, sejam próprios ou terceirizados, têm papel essencial, cuidando da organização, da segurança e do bem-estar de todos.
Contudo, infelizmente, ainda ocorrem situações de desrespeito ao funcionário de condomínio. Essas atitudes não apenas comprometem o ambiente de convivência, como também podem gerar consequências jurídicas e administrativas graves para quem as pratica.
Especialistas ouvidos pelo SíndicoNet explicaram como lidar com esses casos, apontaram as consequências para os envolvidos e indicaram as ferramentas disponíveis para coibir esses episódios de desrespeito ao funcionário do condomínio.
A importância do respeito no ambiente condominial
O respeito deve ser a base da vida em comum. A advogada Cristina Fregnani Ming Elias, que também é síndica, lembra que “ninguém deve ser tratado com grosseria, ofensas ou atitudes abusivas, seja no condomínio ou em qualquer ambiente”.
A advogada Paula Saad Bonito diz que, muitas vezes, a insatisfação do morador é porque o funcionário não atendeu à uma solicitação.
“Em geral, o condômino que se considera 'dono do condomínio', acredita que tem o direito de fazer exigências ao funcionário, mas não é bem assim”, destaca Paula, que também é sindica do condomínio em que mora.
Essa relação de poder desigual contribui para que os funcionários sejam os principais alvos de hostilidade. Porteiros, por exemplo, estão na linha de frente e são os primeiros a receber reclamações e pressões.
“Não é porque a pessoa é empregada, que ela precisa fazer tudo para o morador”, destaca a advogada, que adiciona: “muitas vezes, o funcionário não pode parar para ajudar o morador naquele momento.”
Vulnerabilidade do funcionário: a parte mais frágil da relação
Os empregados de condomínio ocupam posição de vulnerabilidade. “Muitas vezes deixam de relatar situações de abuso por medo de perder o emprego ou sofrer represálias”, afirma Paula Saad Bonito.
“O funcionário, por ser a parte hipossuficiente da relação, frequentemente se cala diante de ofensas. Cabe ao síndico criar canais seguros e sigilosos de comunicação, que permitam ao trabalhador denunciar abusos sem receio de retaliação.”
A recomendação é que, ao se sentir ofendido, agredido ou desrespeitado por um morador, o funcionário deve falar primeira e imediatamente com seu superior ou com o síndico.
“Se for funcionário terceirizado, o supervisor da empresa deve dar ciência imediatamente ao síndico, que deve tomar as providências”, orienta Paula.
Conscientização de moradores: dever do síndico
Além disso, é dever do síndico conscientizar moradores de que o desrespeito ao funcionário de condomínio não será tolerado. Condutas abusivas precisam ser coibidas de forma clara e imediata, evitando reincidências.
Para ela, em casos de desrespeito ao funcionário do condomínio, o síndico deve agir com firmeza. “Ele não deve ser omisso, pois ele só estará adiando problemas futuros”, afirma a advogada Paula.
É essencial que o síndico disponibilize meios seguros e sigilosos para que esses funcionários possam comunicar ocorrências sem medo, como caixas de sugestões, canais digitais ou contato direto com a administradora.
Além disso, é recomendável reforçar, junto aos moradores, que o desrespeito a funcionários não será tolerado, deixando claro que condutas abusivas podem resultar em sanções previstas na Convenção ou no Regulamento Interno.
Já o morador insatisfeito deve, inicialmente, registrar sua reclamação verbal e, se necessário, formalizar no Livro de Ocorrências.
“Caso o síndico não tome as providências, o morador pode, juntamente com 1/4(um quarto) dos condôminos, convocar uma assembleia para deliberar sobre a destituição do síndico”, orienta a advogada.
Responsabilidade do síndico: vigilância e ação firme
O síndico é a figura central na mediação de conflitos entre moradores e funcionários e deve tentar acalmar os ânimos, conversando com as partes envolvidas ou acionar a administradora, que também tem condições de buscar o diálogo entre as partes.
“Esse dever de vigilância é conhecido no meio jurídico como 'culpa in vigilando', ou seja, a culpa na vigilância. O síndico, que é responsável legal do condomínio, tem o dever de tomar cuidado e estar atento para coibir situações vexatórias, sob pena de ser responsabilizado por eventuais danos”, explica a advogada Cristina Fregnani Ming Elias.
Ela lembra que, muitas vezes, o síndico pode nem ficar sabendo da situação na hora e, quando vê, terá de enfrentar consequências pela sua falta de vigilância. "Por isso, ao tomar conhecimento de algum episódio de desrespeito ao funcionário do condomínio, ele deve tomar as providências necessárias."
Na opinião da advogada Paula Saad Bonito, esse tipo de atitude pode resultar em penalidades, como advertências (verbais ou escritas) e até aplicação de multa por conduta antissocial, indica Paula.
“Muitas vezes, as pessoas só associam a barulho de festas, mas o desrespeito ao funcionário do condomínio também é uma conduta antissocial.O condômino que ofende, xinga ou agride um funcionário do condomínio pode sofrer consequências administrativas e jurídicas. E o condomínio também.”
Portanto, o síndico tem várias ferramentas para tentar demover o condômino da ideia de continuar agindo desta forma.
Desrespeito ao funcionário de condomínio: consequências jurídicas e trabalhistas
Caso o funcionário se sinta desrespeitado, ofendido ou agredido por um morador, ele pode entrar com uma reclamação trabalhista e solicitar a rescisão indireta do contrato de trabalho.
“A rescisão indireta do contrato de trabalho é como uma justa causa aplicada pelo empregado contra o empregador, ou seja, contra o condomínio. Neste caso, se acolhido seu pedido pela Justiça do Trabalho, o empregado vai receber todas as verbas rescisórias”, explica Cristina.
“É um direito do empregado buscar uma indenização por dano moral, cujo intuito é diminuir sua dor, humilhação, sofrimento e exposição vexatória”, complementa Paula.
Assim, caso o condomínio seja responsabilizado por essa ação judicial, ficará obrigado ao pagamento estipulado, o qual vai onerar o condomínio.
A orientação é que, se comprovada a responsabilidade do morador, o condomínio poderá entrar com um processo de regresso contra ele para que ocorra o ressarcimento dos valores pagos ao funcionário.
“É importante mostrar ao condômino que atitudes desta natureza podem causar prejuízos ao condomínio e a ele próprio”, destaca Paula, reiterando que, antes mesmo da ação judicial, é fundamental que o condômino seja advertido e até multado.
O morador que ofende ou agride funcionário do condomínio está sujeito a duas esferas de penalidades:
No âmbito condominial:
- Advertências verbais ou escritas;
- Multas por conduta antissocial;
- Possível convocação de assembleia para deliberação de medidas mais severas.
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No âmbito judicial:
- O funcionário pode ingressar com ação de indenização por danos morais;
- Em casos graves, pode solicitar a rescisão indireta do contrato de trabalho, recebendo todos os direitos trabalhistas;
- O condomínio pode ser responsabilizado e ter de arcar com indenizações, mas tem o direito de mover ação de regresso contra o morador causador do dano.
Essas medidas mostram que o desrespeito ao funcionário gera impactos não apenas emocionais, mas também financeiros, que podem onerar o condomínio como um todo.
Portanto, ao tomar conhecimento de um episódio de desrespeito ao funcionário no condomínio, o síndico deve adotar providências rápidas:
- Conversar com as partes envolvidas;
- Aplicar advertências e multas, previstas em regulamento;
- Acionar a administradora, caso necessário;
- Registrar e documentar os fatos para evitar impunidade.
A omissão, além de estimular a continuidade do desrespeito, pode gerar responsabilidade judicial para o condomínio.
Validação da assembleia garante legitimidade
A síndica profissional Rosi Lima, que atua há mais de 20 anos na área de gestão condominial, conta que já teve de transferir um funcionário para outro condomínio, depois de ele ter sido ameaçado por um morador.
“Ninguém merece ser ofendido ou agredido”, afirma, salientando que sempre busca o diálogo com os envolvidos.
“Também informo os outros moradores sobre a ocorrência, sem mencionar os nomes dos envolvidos e, dependendo do caso, aplico a multa, depois da aprovação em Assembleia. Essa validação é crucial”.
Ela diz ainda que aproveita as reuniões no condomínio para reforçar a importância destes profissionais. A administração condominial deve agir preventivamente, a fim de evitar que os condôminos agridam verbal ou moralmente funcionários ou prestadores de serviços.
“Todos devem ser tratados com respeito, de forma cordial e educada, pois essas pessoas desenvolvem atividades essenciais para a vida em condomínio”, ressalta a síndica.
Comunicação Não Violenta como ferramenta de convivência
O gerente de Recursos Humanos da administradora Anauate, Luan Santos, acredita que grande parte dos conflitos em condomínios tem origem em falhas de comunicação e ausência de gestão de pessoas.
“Há muita pressão operacional e pouca atenção às questões psicossociais. É preciso investir em diálogo, escuta ativa e empatia”, afirma Santos, que defende o uso da Comunicação Não Violenta (CNV) como estratégia de mediação e prevenção de conflitos.
Ao incentivar empatia e clareza, a CNV contribui para relações mais saudáveis entre moradores, síndicos e funcionários, reduzindo o risco de ofensas e agressões. Ele também sugere que os condomínios tenham um profissional desta área para auxiliar o síndico e os funcionários.
“Algumas administradoras já estão investindo nisto. Mas, o condomínio deveria ter um profissional para atender a essas demandas e fortalecer as relações interpessoais e contribuir para a redução de danos e impactar positivamente a gestão do condomínio”, recomenda Santos, que é pós-graduado em Psicologia Organizacional.
Para ele, lidar com o desrespeito ao funcionário de condomínio exige uma abordagem multifacetada. Treinamento constante dos funcionários sobre atendimento e saúde mental, palestras periódicas e comunicados para os moradores, entre outras ações, também podem contribuir para que o ambiente condominial torne-se mais saudável.
“Síndico ou gerente predial deve ter um conteúdo básico para compartilhar com o condômino. E, se possível, buscar um parceiro para falar sobre essas questões psicossociais. Em todos os casos, o apoio da administração do condomínio é essencial”, afirma.
O funcionário de condomínio é um dos pilares para o bom funcionamento da vida coletiva. O desrespeito contra esses profissionais fere a dignidade humana, compromete a convivência e pode gerar sérias consequências jurídicas, administrativas e financeiras.
Portanto, o síndico tem papel fundamental, devendo agir com diálogo, firmeza e empatia. Investir em treinamento, comunicação não violenta e práticas de gestão humanizada não é apenas uma obrigação legal, mas também um passo essencial para construir comunidades mais saudáveis e seguras.
Invisibilidade e hierarquia de poder nos condomínios
Para a psicóloga Ana Winckler, especialista em RH, o desrespeito ao funcionário de condomínio tem raízes nas estruturas de poder e na invisibilidade desses profissionais.
“Quantas vezes cumprimentamos os empregados, olhando nos olhos?”, indaga a psicóloga.
Segundo ela, essa ausência de reconhecimento não é apenas descuido, mas reflexo de uma cultura que confunde poder com indiferença.
“Por que o condômino precisa rebaixar, humilhar ou agredir um funcionário para sentir-se melhor?”
“Quando o morador não reconhece o trabalho do funcionário, ele reforça uma hierarquia que mina a autoestima de quem está ali para manter a comunidade funcionando”, explica Ana.
Essa invisibilidade se manifesta de várias formas:
- ignorar a presença do funcionário;
- cobrar tarefas sem agradecimento;
- expor a situações constrangedoras;
- excluir o trabalhador das decisões que impactam sua rotina.
Segundo ela, há uma ferida mais profunda: o trauma da escassez. “Muitos funcionários carregam histórias de falta e medo de não ter o suficiente, e isso os faz acreditar que precisam ‘servir’ mais do que o contrato exige, como se estivessem sempre em dívida.”
Ana Winckler reforça: “É fundamental que síndicos e moradores entendam que reconhecimento não é cortesia, é justiça. O funcionário tem direito a respeito, segurança e valorização, sem precisar se humilhar para ganhar o salário dele.”
A invisibilização prejudica o próprio condomínio.
“Funcionários desvalorizados tendem a se desmotivar, o que pode afetar a qualidade do trabalho, gerar erros e aumentar a tensão entre moradores e equipe. Por isso, reconhecer e valorizar o funcionário é estratégico: um ambiente de respeito aumenta a motivação, reduz conflitos e fortalece a convivência”, destaca.
A mudança começa na consciência: enxergar o funcionário não como coadjuvante, mas como parte essencial da vida condominial. Como conclui Ana Winckler: “Reconhecer o outro é, antes de tudo, reconhecer a si mesmo.”
Xingamentos e perseguição ao prestador de serviços
O manutencista Rogério Silva, que atua em um condomínio na cidade de Osasco, região da Grande São Paulo, disse ter sido vítima de xingamentos por parte de uma moradora.
Ele conta que, ao acompanhar o funcionário da concessionária de energia elétrica, que iria realizar o corte no fornecimento da unidade da moradora, ambos foram xingados com palavrões e, por pouco, não foram agredidos por ela dentro do elevador.
“Depois disto, ela não podia me ver no condomínio que começava a me ofender, inclusive com palavras racistas. Ela chegou a ligar para a empresa em que eu trabalho para pedir a minha demissão”, conta o funcionário. Ele diz ter se abalado no começo, mas depois conversou com o seu supervisor, que falou com a síndica do condomínio.
- Leia: Racismo em condomínio
“Eu não pensei em processar a moradora nem o condomínio, pois tive o apoio da minha supervisão e superei. Mas, conheço vários colegas que já passaram por situações como essa e tiveram crises de ansiedade, depressão e até pediram para sair da empresa”, relata Rogério. “É um desrespeito com o funcionário, que só está no condomínio para fazer o seu trabalho.”
Jurisprudência: Comportamento não justifica agressão a funcionário
Em 2022, a desembargadora Maria do Carmo Honório indeferiu uma apelação de um morador de um condomínio de Marília, que recorreu da decisão do Judiciário para pagar R$ 6.000,00 para o porteiro por danos morais.
Segundo o réu, o funcionário fazia “corpo mole” no seu trabalho e, mesmo diante das reclamações administrativas realizadas pelo morador, nenhuma providência foi adotada. Então, o morador ofendeu o funcionário, gritando e chamando-o de “retardado” e ameaçando dar um “tiro” nele.
Conforme consta no processo, a briga ocorreu no local de trabalho do porteiro e foi presenciado por várias pessoas, o que potencializou a humilhação e angústia do funcionário, que moveu e ganhou o processo contra o morador.
Segundo a desembargadora, caso o morador possuísse ressalvas em relação ao trabalho desenvolvido pelo porteiro, ele deveria ter formulado sua reclamação perante o superior hierárquico.
Em sua decisão, a jurista afirmou:
“Jamais poderia ter adotado um comportamento irascível e tendente a humilhar e constranger uma pessoa em posição subalterna. O dano moral restou, pois, bem caracterizado, dada a intensidade do impacto sofrido pelo apelado em sua honra, que se viu envolvido em episódio de agressão verbal no local em que desempenhava seu trabalho, o que, além de macular sua dignidade, lhe trouxe profundo amargor, dor e desassossego espiritual.”
Boas práticas para fomentar o respeito ao funcionário de condomínio
Para prevenir episódios de desrespeito ao funcionário de condomínio e fortalecer a boa convivência, especialistas recomendam:
- Código de conduta – Estabeleça regras claras de comportamento e deixe-as visíveis a todos.
- Treinamentos regulares – Capacite funcionários em técnicas de atendimento e gestão de conflitos.
- Canais seguros de denúncia – Crie meios confidenciais para que funcionários relatem abusos.
- Ação rápida da administração – Síndico e administradora devem intervir imediatamente em casos de ofensa.
- Campanhas de conscientização – Promova comunicados, palestras e reuniões sobre respeito e convivência.
- Mediação e diálogo – Busque soluções construtivas antes que conflitos se agravem.
- Apoio emocional – Sempre que possível, disponibilize acompanhamento psicológico ou parceria com profissionais especializados.
Fontes consultadas: Ana Winckler (psicóloga), Cristina Fregnani Ming Elias (advogada), Luan Santos (gerente de RH), Paula Saad Bonito (advogada trabalhista), Rogério Silva (manutencista), Rosi Lima (síndica profissional)